Eu bem avisei que este, João Miguel Tavares, me iria ficar debaixo de olho. Ou assim como: uma marcação em cima no mundo do futebol, que agora, com as novas tácticas de "à zona", parece a estar a ficar fora de moda. Hoje, alertado pelo Jorge Miranda, tomei conhecimento sobre mais esta pérola, que não posso deixar de partilhar. Na minha modesta opinião, vale a pena ler e reflectir. O mundo é dos simples meu caro João Miguel.
Aclare-se o regime
Por João Miguel Tavares
"Portugal é o país das tretas. Eu não quero
parecer demasiado negativo, porque Portugal também é um país agradável, de
gente boa, comida apetitosa e um excelente sol. Mas a quantidade de tretas, de
jogos de cintura, de pequenos teatrinhos, de uma no cravo e outra na ferradura,
de dar com a mão esquerda para tirar com a direita, de costas que servem
alternadamente para a pancadinha e para a facadinha, de encenações parolas com
o único objectivo de não ter de enfrentar os “cornos do destino”, como escreveu
Natália Correia, é absolutamente impressionante. Mais: são artimanhas e
simulações transversais a toda a sociedade, que culminam nas decisões do
Tribunal Constitucional.
Paremos um pouco neste dia 5 de Junho de
2014 e olhemos à nossa volta. Temos um governo que fingiu que a troika se tinha
ido embora a 17 de Maio, só para poder festejar o acontecimento antes das
eleições europeias, quando ainda nem sequer conseguiu fechar a 12.ª avaliação,
e não se sabe quando o fará. Tretas e mentiras. Temos um líder da oposição que
inventou umas eleições primárias à pressa, com um formato do qual discordava
abertamente há três anos, só para conseguir arrastar-se mais uns meses à frente
do PS. Mentiras e tretas. E temos um acórdão do Tribunal Constitucional que,
pela segunda vez em três anos, decreta uma inconstitucionalidade em suspensão:
o Orçamento de 2014 é inconstitucional, mas só de Julho a Dezembro. O Palácio
Ratton entrou em saldos – vende inconstitucionalidades com 50% de desconto.
Seria interessante averiguar se meia-inconstitucionalidade não é, ela própria,
inconstitucional, mas se calhar é melhor esquecer isso, que já temos problemas
que cheguem.
Mas, esperem, que as tretas não acabaram. O
Governo, depois de fingir que achava mesmo que pudesse ser considerado
constitucional um Orçamento em que os cortes na função pública começavam nuns
obscenos 675 euros brutos, agora inventou uma “aclaração” sobre o acórdão do
TC, que – tentem acompanhar-me – não é bem uma aclaração, pois vai com uma sugestão
de nulidade lá pelo meio, sendo que ao mesmo tempo o Governo não tem
competência para requerer aclarações ao TC, porque só os autores do pedido de
fiscalização o podem fazer. Em resumo: tretas, tretas e mais tretas.
E tudo isto porquê? Porque Pedro Passos
Coelho, muito em particular, que tanto gosta de falar em mudar de vida, foi
mais um daqueles que fizeram uma limpeza no disco rígido mal chegou ao Governo.
Nos seus tempos de oposição, considerava a revisão constitucional uma
prioridade, mas assim que chegou a São Bento iniciou o seu Governo de
costureirinha da Sé, sempre de agulha e dedal nas mãos, corta aqui, cose ali,
vê a bainha, faz uns remendos, tudo muito improvisado, tudo muito mal cosido,
tudo com a cabeça muito baixa e o olhar fixo a um palmo do nariz, enquanto o
país emagrecia dentro do mesmo fato, cada vez mais coçado e esgarçado.
Na verdade, não é só o acórdão do TC que tem
de ser aclarado. É este regime de infinitas tretas em que demasiada gente –
ministros, juízes, secretários-gerais – não têm coragem de fazer aquilo que se
impõe. Uns agarram-se a princípios abstractos de igualdade, proporcionalidade,
protecção de confiança ou razoabilidade, ignorando olimpicamente o estado do
país. Outros só fazem orçamentos de desenrasca, sem um vislumbre de reformas
sistemáticas ou de medidas estruturais.
Seria caso para dizer “estão bem uns para os outros”, não fosse no meio de uns e de outros estarmos nós."
Seria caso para dizer “estão bem uns para os outros”, não fosse no meio de uns e de outros estarmos nós."
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