quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Recordar coisas que escrevi no passado (5)



(Escrito em 3 Fevereiro de 2011
)

Na minha infância e juventude, este era um dos dias mais esperados e desejados do ano, por ser dia de festa na terra onde vivia, Abegoa de seu nome, no concelho de Marvão.

Logo a seguir à hora de almoço, na Capela com o nome do santo situada na encosta norte da vila, havia missa seguida de procissão, como penso que ainda hoje haverá, mantendo-se a tradição. Contudo, habitualmente, as festividades são transferidas para o fim-de-semana de maior proximidade.

Após as cerimónias religiosas, havia a tradicional arrematação de “ramos”: pequenos cestos de verga de vime, onde a vizinhança do padroeiro depositava as suas oferendas, compostas habitualmente, por uma garrafa de vinho, um pão e dois ou três chouriços, que a súcia lá ia arrematando pela oferta mais alta ao apregoar do leiloeiro:

 “…quem mais dá?..., dou-lhe uma, dou-lhe duas eeee…, dou-lhe três.”

Eu, e a outra catrefada de gaiatos das redondezas, já havíamos ajuntado, previamente, as moeditas que tínhamos surripiado, à socapa, aos nossos pais e, às vezes, lá conseguíamos no fim da arrematação, levar uma das mais baratinhas fogaças, ou daquelas que já ninguém queria e lá partíamos mais contentes que nem ratos, para uma animada comezaina.

Quando chegava a noite a Sociedade da Abegoa enchia-se pelas costuras do exíguo salão recreativo, para o tradicional baile do São Brás, abrilhantado por um afamado acordeonista das redondezas e onde acorriam todas as moças casadouras locais, já que os moços, com maior liberdade, vinham de todo o concelho.

Eu, catraio acanhado, ficava quase sempre oculto na sala de entrada para as mulheres, já que, naquela época, a moda da igualdade de género ainda estava para chegar. De lá ia observando e aprendendo as estratégias da arte marialva no “descante do sacrossanto Brás”, para quando chegasse a minha vez na roda da vida, poder cumprir a tarefa com um desempenho digno de um qualquer dom juan.

Mas o que ainda hoje recordo com alguma intriga e que eu mais gostava de assistir, era a ocorrência que se passava por volta da meia-noite, quando o artífice tocador da concertina anunciava:

- Agora é a “peça à inglesa”.

Essa tal “peça inglesa”, não era mais que a inversão da tal estratégia marialva dos moços irem buscar as moças para dançar. O que se exigia “à inglesa”, era que teria de ser o inverso e serem as cativas moçoilas a escolherem quem seria o seu eleito daquela dança.

O que eu não conseguia entender, naquele cenário idílico em que “a presa procurava o caçador”…, era o porquê de muitos daqueles infantes, que ocupavam quase sempre a popa na altura de eleger, de repente, como cachorros com o cauda entre as pernas, corriam a refugiar-se o mais atrás possível nos fundos da sala, ou às vezes, invadindo o meu refúgio feminil, com medo de serem os preferidos daquelas rústicas casadoiras.

Só mais tarde percebi o desassossego daquela rapaziada! …

É que após a dita “peça à inglesa”, os garbosos cavalheiros tinham que conduzir as atrevidas donzelas ao “Bufett”, onde tinham que as presentear com um “drink” e, pelo menos, dez tostões de “ervilhanas”… E o "bago" para o pagamento, nessa época tal como hoje, para a maioria deles, andava escasso…

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Recordo com muita saudade as histórias que o meu pai contava sobre os tempos em que não perdia um baile. E sim, também usava a expressão ervilhanas e alcagoitas.

Um abraço