Na minha infância e juventude, este era um dos dias mais esperados e desejados do ano,
por ser dia de festa na terra onde vivia, Abegoa de seu nome, no concelho de Marvão.
Logo a seguir à hora de almoço, na Capela com o nome do santo situada na encosta norte
da vila, havia missa seguida de procissão, como penso que ainda hoje haverá,
mantendo-se a tradição. Contudo, habitualmente, as festividades são
transferidas para o fim-de-semana de maior proximidade.
Após as cerimónias religiosas, havia a tradicional arrematação de “ramos”:
pequenos cestos de verga de vime, onde a vizinhança do padroeiro depositava as
suas oferendas, compostas habitualmente, por uma garrafa de vinho, um pão e dois
ou três chouriços, que a súcia lá ia arrematando pela oferta mais alta ao
apregoar do leiloeiro:
“…quem mais dá?..., dou-lhe uma, dou-lhe duas
eeee…, dou-lhe três.”
Eu, e a outra catrefada de gaiatos das redondezas, já havíamos ajuntado,
previamente, as moeditas que tínhamos surripiado, à socapa, aos nossos pais e,
às vezes, lá conseguíamos no fim da arrematação, levar uma das mais baratinhas
fogaças, ou daquelas que já ninguém queria e lá partíamos mais contentes que
nem ratos, para uma animada comezaina.
Quando chegava a noite a Sociedade da Abegoa enchia-se pelas costuras do exíguo
salão recreativo, para o tradicional baile do São Brás, abrilhantado por um
afamado acordeonista das redondezas e onde acorriam todas as moças casadouras
locais, já que os moços, com maior liberdade, vinham de todo o concelho.
Eu, catraio acanhado, ficava quase sempre oculto na sala de entrada para as
mulheres, já que, naquela época, a moda da igualdade de género ainda estava
para chegar. De lá ia observando e aprendendo as estratégias da arte marialva
no “descante do sacrossanto Brás”, para quando chegasse a minha vez na roda da
vida, poder cumprir a tarefa com um desempenho digno de um qualquer dom juan.
Mas o que ainda hoje recordo com alguma intriga e que eu mais gostava de
assistir, era a ocorrência que se passava por volta da meia-noite, quando o
artífice tocador da concertina anunciava:
- Agora é a “peça à
inglesa”.
Essa tal “peça inglesa”, não era mais que a inversão da tal estratégia marialva
dos moços irem buscar as moças para dançar. O que se exigia “à inglesa”, era
que teria de ser o inverso e serem as cativas moçoilas a escolherem quem seria
o seu eleito daquela dança.
O que eu não conseguia entender, naquele cenário idílico em que “a presa procurava o caçador”…, era o
porquê de muitos daqueles infantes, que ocupavam quase sempre a popa na altura
de eleger, de repente, como cachorros com o cauda entre as pernas, corriam a refugiar-se
o mais atrás possível nos fundos da sala, ou às vezes, invadindo o meu refúgio
feminil, com medo de serem os preferidos daquelas rústicas casadoiras.
Só mais tarde percebi o desassossego daquela rapaziada! …
É que após a dita “peça à inglesa”, os garbosos cavalheiros
tinham que conduzir as atrevidas donzelas ao “Bufett”, onde tinham que as
presentear com um “drink” e, pelo menos, dez tostões de “ervilhanas”… E o "bago" para o pagamento, nessa época tal como hoje, para a maioria deles, andava escasso…
1 comentário:
Recordo com muita saudade as histórias que o meu pai contava sobre os tempos em que não perdia um baile. E sim, também usava a expressão ervilhanas e alcagoitas.
Um abraço
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