Espero que não
te importes que te esteja a tratar por tu, pois não foi assim que os nossos
pais me ensinaram, nem tão pouco foi assim que te tratei ao longo dos trinta
anos que convivemos, sempre te tratei por “mano” ou mais simplesmente, pelo despropositado
“oiça lá, ou veja lá...”; mas hoje é dia de entrudo, e coincide com o dia doze de
fevereiro. Não posso afirmar, que tal coincidência, não tenha já sucedido no
quarto de século, que se seguiu ao fatídico ano de 1991, mas hoje, vá lá gente
saber porquê, veio-me à memória.
Ao longo destes vinte
e dois anos, desde que partiste, nunca me lembro de escrever sobre ti, a não
ser um pobre poema feito pouco tempo depois, a que dei o nome de “poema para uma quarta-feira de cinzas...”,
mas que ficou perdido por aí, nas diversas andanças a que tenho estado sujeito,
e, que hoje não descubro, mas prometo-te que logo que o encontrar to enviarei.
A notícia chegou-me
através de uma amiga, pois por essa época o telefone ainda não existia em minha
casa. Seriam perto das duas horas da madrugada de 13 de fevereiro, quando a
campainha da porta tocou. Eu que havia acabado de adormecer tive imediatamente
a percepção do sucedido. Fiquei ali deitado, imóvel, aguardando que minha
mulher abrisse a porta, e quando a mensageira entrou no quarto, não foram
precisas palavras, os olhares disseram tudo: o xico serra, estava, mas tinha
deixado de estar.
Não me lembro de
ter chorado, mas, possivelmente, algumas lágrimas hão-de ter inundado os meus
olhos. O sofrimento em que agonizavas era, certamente, mais atroz. Apenas me
lembro que foi para mim muito diferente do dia da notícia que tivera dois anos
antes, chegada pela voz desesperada da tua filha ao telefone da casa do povo, e
que me martelou o tímpano sem aviso prévio, após lhe comunicarem que - seu pai
tem um cancro, nada se pode fazer, abri e fechei, e não terá mais de um mês de
vida!
Nesse dia sim, o desespero e raiva tomaram conta de mim, corri para casa, deitei-me sobre a cama, sovando-a até me apetecer, embora sabendo que ela não teria qualquer culpa, chorei até esgotar as lágrimas, e só me lembro de pensar “o meu irmão vai morrer em breve...”, e balbuciar: porquê, porquê, porquê...?
Nesse dia sim, o desespero e raiva tomaram conta de mim, corri para casa, deitei-me sobre a cama, sovando-a até me apetecer, embora sabendo que ela não teria qualquer culpa, chorei até esgotar as lágrimas, e só me lembro de pensar “o meu irmão vai morrer em breve...”, e balbuciar: porquê, porquê, porquê...?
Amanhã farão 22
anos, mano, e eu tenho saudades tuas. As lágrimas voltam, a pergunta continua,
e eu acho que não tenho o direito de maçar aqueles que me lêem, mas tu mereces
que eu te lembre. Sem ti eu não seria eu, seria, certamente, alguém muito
diferente!
Hoje quero
dizer-te, e penso que nunca to verbalizei, tu foste para mim como um segundo
pai, e eu gostava muito de ti...
2 comentários:
Coincidência (ou não)também eu recordei, neste Carnaval frio de 2013... o fatídico ano de 1991.
A morte esteve presente, também aqui...a poucos kms...em Galegos.
A notícia chegou por telefone, veio do hospital de Portalegre e fui eu atender, manhã cedo...
Não queria acreditar...muito mudou desde esse dia.
Perdi o meu pai, a quem também não tratava por "tu"...(quem sabe se devido a isso, hoje em dia trato a minha mãe por "tu")...Lembro-me de alguém falar nesse dia na morte de outra pessoa, do funeral próximo em Santo António das Areias.
Pergunto agora, será que foi, um senhor Francisco Bugalhão, que em tempos trabalhou nos Galegos, para o meu padrinho, Francisco Vicente dos Santos, mais conhecido por "Ti Chico Alfaite"?Sei que tinha muita estima por ele, e que durante uma "estadia" na Clínica de Santo António, na Reboleira, aquando de uma operação à próstata, o recebeu e à minha mãe, extraordinariamente em sua casa, para os lados da Capital?
Coincidência ou não...hoje em dia também trato o meu pai por "tu", nos momentos dificeis e nas alegrias partilhadas, nas conversas que travamos...quase todos os dias...sim a falta/presença não se sente só na noite de natal...
Um beijo
Luísa Garraio
Minha cara Luísa, toda a tua descrição confere com a realidade, com excepção do local do funeral. O meu irmão faleceu em Lisboa, e aí foi sepultado, o resto é tudo certo, incluindo o trabalho em casa do ti Chico Alfaiate, para onde meu irmão foi servir, assim se chamava nessa época.
Também eu tinha muita admiração pelo ti Jaquim Garraio, teu pai. É a vida, e aquilo a que chamam destino. Ambos partiram cedo de mais...
Beijinho para ti e obrigado, por recordares momentos dos nossos familiares.
Enviar um comentário