I
por
Rui Rocha
“Vivemos,
portanto, num tempo em que todas as atenções se viram para as minorias. Só
isso pode justificar que se dedique tanto tempo ao lince da Malcata e se
descure o estudo do cabrão lusitano, espécie que prima pela sua abundância.
Não admira, pois, que reconheçamos de imediato um lince quando o vemos e que
tenhamos, em contrapartida, tanta dificuldade em identificar um cabrão à
primeira vista.
A
integral compreensão da problemática do cabrão obriga-nos a distinguir entre
o aspirante a cabrão e o cabrão de pleno direito: o aspirante tem todas as
competências necessárias para afirmar-se como cabrão, mas a vida ainda não
lhe proporcionou o momento adequado para as colocar em prática. Não se trata,
como se vê, de uma questão de idade ou de falta de experiência, mas de
oportunidade. Daí que não seja inteiramente correcto afirmar que a
oportunidade faz o cabrão. A oportunidade apenas permite transformar a
potência em acto, dar a conhecer ao mundo o efeito do cabrão que já estava
feito.
Os
actos praticados são assim a única forma de o cabrão se dar a conhecer ao
mundo cabrão como é. Entendamo-nos neste ponto fundamental. Ao contrário do
que defendem certas correntes que se debruçam sobre estas matérias, é
impossível reconhecer um cabrão pelo seu aspecto, pelo olhar, pelo sorriso ou
pela forma como fala. Os actos e só os actos definem o cabrão. Não há
ninguém que tenha cara de cabrão. Ou nariz e orelhas de cabrão. Se quisermos
identificar um cabrão, temos que avaliar actos praticados de forma objectiva
e imparcial.
Da
mesma forma, o cabrão lusitano, como espécie autóctone, encontra-se
distribuído de forma regular por todas as regiões, níveis de formação,
estratos sociais, raças, credos, religiões ou profissões. Em vão procuraremos
isolar características sociais ou outras que permitam confinar os cabrões a
uma população com características determinadas. Aliás, esta natureza
adaptativa do cabrão é, em boa medida, a razão principal do seu sucesso. Mas,
se é verdade que há cabrões em todo o lado, também é certo que o cabrão é
condicionado pelo contexto em que se insere. Existindo um substrato comum nos
actos praticados pelos cabrões, é óbvio que o cabrão que exerce no Bairro do Lagareiro
tem um repertório de acções diferenciado daquele outro que tem a sua base
operacional numa mansão do Restelo. Não admira por isso que se fale, em
alguns estudos, do cabrão e da sua circunstância.
Por
último, importa sublinhar um aspecto fundamental que resulta inequivocamente
de milhares de horas de observação. Os verdadeiros cabrões nunca deixam de o
ser. O fim da vida activa de cabrão só seria possível por via do
arrependimento sincero. E um cabrão, por definição, não se arrepende, jamais
se reforma. Pelo contrário. O cabrão, mesmo depois de descoberto, depois de
ver avaliados os seus actos e o seu percurso, invocará invariavelmente como
desígnio último da sua vida a reposição da honra e da dignidade perdidas. Se
for verdadeiramente cabrão, daqueles de papel passado pelo notário, falará
ainda da sua família para puxar a lágrima. É isso, em última instância que,
apesar de todo o esforço que fazem para não serem reconhecidos, nos permitirá
identificá-los.
Na
dúvida, em todo o caso, recorra-se a um método infalível: coloque-se um pouco
de honra e dignidade no seu caminho. Apesar de todo o discurso e parangonas,
o verdadeiro cabrão, porque nunca as viu, será incapaz de reconhecê-las.
II
Por
Alberto Pimenta
“O
pequeno filho da puta, é sempre, um pequeno filho da puta; mas não há filho
da puta, por pequeno que seja, que não tenha a sua própria grandeza, diz o
pequeno filho da puta. No entanto, há filhos-da-puta que nascem grandes e
filhos da puta que nascem pequenos, diz o pequeno filho da puta. De resto, os
filhos da puta não se medem aos palmos, diz ainda o pequeno filho da puta. O
pequeno filho da puta tem uma pequena visão das coisas e mostra em tudo
quanto faz, e diz, que é mesmo o pequeno filho da puta. No entanto, o pequeno
filho da puta tem orgulho em ser o pequeno filho da puta.
Todos
os grandes filhos da puta são reproduções, em ponto, do pequeno filho da
puta, diz o pequeno filho da puta. Dentro do pequeno filho da puta estão em
ideia todos os grandes filhos da puta, diz o pequeno filho da puta. Tudo o
que é mau para o pequeno é mau para o grande filho da puta, diz o pequeno
filho da puta. O pequeno filho da puta foi concebido pelo pequeno senhor à
sua imagem e semelhança, diz o pequeno filho da puta.
É o pequeno
filho da puta que dá ao grande tudo aquilo de que ele precisa para ser o
grande filho da puta, diz o pequeno filho da puta. De resto, o pequeno filho
da puta vê com bons olhos o engrandecimento do grande filho da puta: o
pequeno filho da puta o pequeno senhor Sujeito Serviçal Simples Sobejo ou
seja, o pequeno filho da puta.
O grande filho da puta também em certos casos começa por ser um
pequeno filho da puta, e não há filho da puta, por pequeno que seja, que não
possa vir a ser um grande filho da puta, diz o grande filho da puta. No
entanto, há filhos da puta que já nascem grandes e filhos da puta que nascem
pequenos, diz o grande filho da puta. De resto, os filhos-da-puta não se medem aos palmos, diz ainda o grande
filho-da-puta. O grande filho da puta tem uma grande visão das coisas e
mostra em tudo quanto faz e diz que é mesmo o grande filho da puta.
Por isso o grande filho da puta tem orgulho em ser o grande filho da
puta. Todos os pequenos filhos da puta são reproduções em ponto pequeno do
grande filho da puta, diz o grande filho da puta. Dentro do grande filho da
puta estão em ideia todos os pequenos filhos da puta, diz o grande filho da
puta. Tudo o que é bom para o grande não pode deixar de ser igualmente bom para
os pequenos filhos da puta, diz o grande filho da puta. O grande filho da
puta foi concebido pelo grande senhor à sua imagem e semelhança, diz o grande
filho da puta. É o grande
filho da puta que dá ao pequeno tudo aquilo de que ele precisa para ser o
pequeno filho da puta, diz o grande filho da puta.
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