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Vale para professores, vale para
outros, quem diz sector público, diz sector privado
por Rui Rocha, in Delito de Opinião
"Há um problema
muito sério na sociedade portuguesa. Vivemos muitos anos, demasiados anos,
provavelmente séculos, num contexto em que o sucesso, o desenvolvimento e a
evolução profissionais foram ditados por tudo, menos pelo mérito.
O negócio do
Luís, a contratação do João, a promoção da Maria, o cargo de direcção do Manel
estiveram quase sempre relacionados com o facto de serem primos do patrão,
correligionários do Presidente da Junta, sobrinhos do autarca jurássico ou, na
melhor das hipóteses, com o decurso do tempo (parece que a isto se chama
carreira).
Isto foi assim
no sector privado, foi ainda mais assim no sector público. E, na falta de um
sistema de avaliação sério e credível, ainda é. Tal como sucede nos países
socialistas, ainda que Portugal tivesse o melhor sistema de educação do mundo,
os resultados profissionais continuariam a ser medíocres. Falta-nos a cultura
de valorização, reconhecimento e promoção do mérito. Veja-se o caso dos
professores.
Todos nós
tivemos professores sofríveis. Uns eram cientificamente impreparados. Outros
faltavam. Muitos não tinham qualquer competência pedagógica. A tantos faltava
interesse e motivação. Por cada professor digno desse nome, tive dois que não
mereciam estar numa sala de aula. E, todavia, estavam. E continuaram a estar. E
se hoje as coisas estiverem melhores, não são, decerto, perfeitas. A questão é
que chegámos aqui sem um mecanismo sério que nos permita distinguir.
No sistema
público de ensino, tanto vale ser competente como baldas, vale tanto ser
inspirador como dizer umas lérias. Em momentos de vacas gordas, em que há lugar
para todos, a iniquidade sente-se menos. Lourenço é professor do quadro sem
ensinar a ponta de um dos cornos usados pelos viquingues nos seus capacetes.
Palmira é cientificamente preparada, sabe motivar a turma, é tão interessada. É
professora contratada, precária, salta de terra em terra. Mas, pelo menos tem
um emprego. O problema surge quando se dá o recuo das águas. O Lourenço continua
lá na escola, a queixar-se. A Palmira está em casa, a torrar a depressão.
Não embarco na
conversa de que esta "é a geração mais bem preparada". Há em todas as
gerações os que são e os que não são. Devíamos ter maneira de os identificar.
No ensino fala-se há anos e anos de uma prova de ingresso. Não é preciso
inventar muito. É pôr os professores a responderem aos exames a que são
submetidos os seus alunos. E, a partir dos resultados, extrair as devidas
consequências.
Defendo a escola
pública. Só quem vive fora da realidade pode desconhecer a importância
estruturante que tem na sociedade portuguesa. Mas defendê-la, é também, exigir que o Lourenço saia e que entre a
Palmira. Certo.
Tratar-se-ia de
uma dança de cadeiras. Não resolveria o problema do desemprego, nem da
economia. Mas contribuiria para preparar o futuro. E daria algum sossego ao
nosso sentido de justiça."
5 comentários:
Desta vez estou completamente em desacordo com o exposto neste "post".
Felizmente não está aqui retratada a realidade portuguesa, no que à docência concerne.
Não há profissão mais avaliada que a minha!!! Relativamente aos novos desenvolvimentos direi o seguinte:
Alguma comunicação social engoliu o isco, o anzol e a cana lançada pelo pescador Nuno Crato. Ontem na TVI, o jornalista João Miguel Tavares dizia que é muito difícil os professores explicarem à opinião pública, porque é que alguns docentes querem ficar eternamente numa escola com horário zero. Alguém devia explicar a este senhor, que como jornalista deveria no mínimo fazer o trabalho de casa e pesquisar as razão que estão na origem deste flagelo que são os horários zero. Há professore a dar aulas quase a 300 alunos (como é o meu caso) para que os nossos pares fiquem com migalhas, mesmo tratando-se de colegas, ainda há pouco tempo apelidados de professores do quadro de nomeação definitiva.
Meu caro Hermínio, aceito perfeitamente o teu desacordo, e percebo, sobretudo, a situação que referes. E não duvido que assistem muitas e muitas razões aos professores, e tenho muito respeito por alguns, outros nem tanto!!!
Mas essa situação, em minha opinião, em nada contraria o que está plasmado neste Post, bem como no anterior que escrevi dias antes.
Aliás, este mesmo Post refere que a filosofia aqui defendida, não é exclusiva dos professores, ela é transversal a toda a sociedade portuguesa, está na base da sua desestruturação, e não vejo os sindicatos dos professores, nem outro, aceitarem essa discussão, antes pelo contrário. As pessoas não são todos dignos do título de “mestre” e deveriam sê-lo.
Horário “zero” têm essa cambada de agitadores profissionais que há mais de 20 anos não põem os pés numa escola, e duvido que andem a defender os professores a sério!
E todos nós sabemos porquê...
Obrigado por me leres e podermos alimentar esta discussão. Sempre a considerar-te
João Bugalhão
Acresce que dento em breve, poderei ser eu a ficar com as migalhas ou com o horário zero, logo que a minha escola perca o estatuto de TEIP e se agrupe com uma secundária.Há algum mérito nestes mega agrupamentos, no que concerne à qualidade de ensino???
Há alguma vantagem na constituição de turmas com trinta alunos, quando a maioria das salas, em termos estritamente físicos e de funcionalidade só comportam, no máximo 21? a premissa é:
Agrupar, agrupar, encaixotar, encaixotar. Para quê? para melhorar a qualidade de ensino?
Eu já percorri o país inteiro como caixeiro viajante da educação. Leccionei em 10 estabelecimentos de ensino pelo país fora, a saber. Póvoa do Varzim, Matosinhos( duas escolas), Gondomar, Santo Tirso, Nisa, Crato, Mouzinho da Silveira e José Regio em Portalegre e no Barreiro. Dentro de cerca de um ano, a manter-se o fantasma da mobilidade especial, vejo-me na contingência de concorrer para uma área equivalente a metade do país, sem qualquer garantia de ter lugar nessa imensa faixa territorial. Se tal não acontecer, adeus carreira, adeus ordenado, adeus dedicação, adeus mérito, adeus a milhares de horas de acções de formação e avaliação que ocorrem anualmente. Não importa que num estágio dificílimo de dois anos de profissionalização em serviço eu tenha na altura obtido a nota meritória e rara de dezassete valores.
Não estou aqui a puxar pelos meus galões, porque há milhares de colegas meus em circunstâncias ainda mais graves. Há casais de professores com dezenas de anos de ensino a sobreviver de explicações e no limiar da sobrevivência. Que raio de país é este, que tolhe assim os sonhos das pessoas?
Escrevo isto, para clarificar alguma intoxicação que o governo tem sido exímio em aplicar à opinião pública.
Não obstante, o exposto,já compreendi melhor o teor da ideia que o João quis transmitir, neta sua resposta.
Cumprimentos: Hermínio
Mais um contributo para a discussão de jaa, in http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/5471536.html
Sendo favorável à existência de um sistema público de ensino (e, mais ainda, de um sistema público de saúde), momentos como o actual fazem-me pensar que, tal como sucede noutros sectores (as empresas públicas de transportes, por exemplo), os inconvenientes podem afinal superar as vantagens.
As medidas propostas pelo governo não são simpáticas (nunca o poderiam ser) e algumas talvez nem sejam justas. Mas – sabemo-lo há mais de uma década – o Estado tem de cortar na despesa e o sistema de ensino, com uma relação professores/aluno acima da média europeia (e, sim, eu sei que há mil e uma justificações para tal, todas dignas de reformas que as façam desaparecer), não pode ficar de fora dos cortes. Por outro lado, também no sector privado há centenas de milhares de trabalhadores insatisfeitos com decisões do seu empregador.
Trabalhadores que, como os professores, viram os seus rendimentos diminuir e que, como os professores, receiam vir a perder o emprego (nem vale a pena mencionar os que já o perderam). E, contudo, não fazem greve. Porquê? Porque sabem que apenas se prejudicariam a eles mesmos; porque sabem que os contribuintes não salvarão a sua empresa. Revoltados ou resignados, essas centenas de milhares de trabalhadores estão a ajudar o país a sair da crise.
Os professores (que gostam de afirmar ser a educação fundamental para atingir tal objectivo) necessitam de decidir se querem juntar-se-lhes ou continuar a exigir-lhes que paguem a factura. Mais importante: necessitam de pensar nos alunos que tiveram à frente durante nove meses e decidir se a luta, nos termos em que a delinearam, compensa sacrificá-los. Ainda por cima, provavelmente para nada.
Os professores (ou, para ser mais preciso, os sindicatos dos professores) jogaram forte, ao escolher a data da greve. Mas talvez não tenham avaliado bem (ironias...) a firmeza do governo e as consequências deste não ceder. A perturbação de Mário Nogueira, na sexta-feira à tarde, ao sair da reunião no Ministério da Educação, mostra como os sindicatos estão conscientes de que, amanhã, e ainda que a greve tenha adesão elevada, poderão ter jogado a cartada mais forte sem outros resultados práticos que não alienar parte da opinião pública. O que farão a seguir? Boicotar outros exames? Nuno Crato e o governo parecem ter percebido que não podiam ceder. Ficaria tudo em causa: as reformas na Educação e em todos os outros sectores. Até onde estão os professores dispostos a ir?
No início de cada ano lectivo, a equipa que faz os horários é informada pelas direcções das escolas no sentido de atribuir, em cada grupo disciplinar, o máximo de turmas possível ao docente com mais tempo de serviço, por imposição governamental.
Os restantes docentes, vão ficando ano após ano com menos turmas até ao horário zero. Que se note: isso de haver professores a mais no ensino público é uma falácia. Não há professores a mais, começa a haver é escola a menos, com o aumento de alunos por turma, os mega agrupamentos, a extinção de disciplinas. Um docente é tanto melhor, quanto mais alunos tiver?
As reformas estruturais não podem ser feitas à pressa. Os docentes não são bens de consumo, que uma vez utilizados, espremidos, são
descartáveis.
Há uns anos a esta parte, o governo polvilhou o país de Escolas Superiores de Educação, que formaram durante anos a fio docentes (e eu conheço muitos)que acumularam anos de serviço e agora foram simplesmente para a rua. Porque é que neste país não se planeia, não se estrutura? porque se iludiram tantos alunos, nessa fase? Sim, porque estes docentes também foram alunos e agora são pais. Alguns estão mais preocupados com o pão a colocar na mesa do que com o exame do décimo segundo.Eu também sou pai e nas actuais circunstâncias, não me podia dar ao luxo de mandar um filho meu para fora do Distrito. Distrito o nosso, que muito em breve vai deixar de ter ensino superior. Aliás, devo dizer, que me espanto com o facto de ainda residirmos numa capital de distrito. Sabes quais são as regiões mais afectadas com esta mobilidade especial dos docentes: é ainda e sempre o interior, já bastante fustigado pelo êxodo de pessoas que já não encontram aqui trabalho de ordem nenhuma. Portalegre, outrora uma cidade industrial, tem sido uma cidade de serviços. pelo andar da carruagem, nem serviços, nem nada. Mudanças estruturais, não se fazem à pressa, com a chancela cega do quero, posso e mando, doa a quem doer. Não estou a ser corporativista, porque considero que isto não devia acontecer em qualquer sector de actividade.
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