domingo, 24 de janeiro de 2021

A PROPÓSITO DA RESTAURAÇÃO DO CONCELHO DE MARVÃO EM 1898

UM POUCO DE HISTÓRIA

 1 - Enquadramento da situação política nacional da época (1895 - 1898)

Em 26 de Setembro de 1895, por Decreto de Hintz Ribeiro, 1º ministro pelo Partido Regenerador Monárquico, foi suprimido o concelho de Marvão e anexado ao de Castelo de Vide.

Para além de Marvão, foram suprimidos, simultaneamente, no distrito de Portalegre, os concelhos de Gavião, Sousel e Monforte. Pelo que a supressão do concelho de Marvão não deve ser vista como um caso isolado, mas fruto de uma política centralista seguida pelo Partido Regenerador, então no poder.

Mas esta visão centralista, não era apenas dos Regeneradores, já que, também o outro Partido da alternância, o Partido Progressista, concordava. José Luciano, chefe desse partido, afirmava em 1892: “… o Poder Local só servia para gastar impostos e contrair dívidas, são um embaraço e perigo para o futuro e que o melhor era fundir” (onde é que eu já ouvi isto?).

No entanto, a nível Regional, outros dirigentes Progressistas, como Frederico Laranjo em Portalegre, não pensavam assim, e dizia que isso era politica dos Regeneradores: “… que decepavam liceus, suprimiam distritos, extinguiam concelhos e que os povos se deviam revoltar!”

 2 - Situação Política Local da Época

Em Marvão em 1895, a então Vereação Camarária, era conectada com o Partido Progressista, presidida por António Matos de Magalhães, que tinha como vice-presidente Manuel Rodrigues Pinheiro, e os vereadores José Maria Forte, José Serra Júnior e Francisco Rosado.

Dos documentos que nos chegaram até hoje, esta vereação reuniu pela última vez em 5 de Setembro de 1895, portanto antes da supressão do concelho, para decidir sobre um assunto que nada tinha a ver com este problema - Escolher uma representação ao Rei, para que permitisse a entrada de pão vindo de Espanha, em ano de fome.

Até 24 de Janeiro de 1898, data em que se processou a desanexação do concelho a Castelo de Vide, através de decreto do governo central, não são conhecidos quaisquer actos ou iniciativas, que manifestassem por parte dos dirigentes, ou restante população de Marvão, qualquer contrariedade ou revolta, contra a “integração centralista” em Castelo de Vide. Um pouco estranho, não?

De facto, se em Marvão, não são conhecidos quaisquer actos nesses dois anos (1895-1897), que revelem que a integração no concelho de Castelo de Vide, tenha sido alvo de resistências ou insurreições por parte dos marvanenses, sobretudo por parte dos seus dirigentes, a quem, certamente, competia liderar essas reações, já o mesmo se não pode dizer em relação aos “integradores castelovidenses”, que esfregaram as mãos de contentes, por verem o seu pobre concelho passar de 3ª para “2ª classe”, à custa dos marvanenses.

Assim, em Acta da Câmara Municipal de Castelo de Vide de 1 de Outubro de 1895, uma semana depois da data de integração, o seu Presidente Pinto Sequeira da Costa (Regenerador), afirmava: 

“… sendo classificado em segunda ordem o concelho de Castelo de Vide, anexando-lhe o de Marvão, e resultando d’ esse facto, um grande melhoramento que a todo este município deve satisfazer, entendi convidar os meus colegas, para uma sessão solene e especial para comemorarmos este acontecimento e significarmos o nosso reconhecimento a todos os que contribuíram para tão grande benefício…”.

Propôs ainda Sequeira da Costa, que a vereação agradecesse ao Ministro do Reino e ao Governador Civil de Portalegre 

“… que muito cooperara para conseguir que o concelho fosse elevado a 2ª ordem.” .

Nessa mesma reunião, o vereador Sequeira pronunciou-se também sobre o acontecido, mostrando igual satisfação, e disponibilizou-se para organizar todas as manifestações públicas relativas ao acto (não se sabe se os marvanenses, sobretudo os seus dirigentes, foram convidados como “animadores” das festividades!!!).

Já no fim dessa reunião, tomou a palavra o Administrador do concelho, Joaquim Fiusa Guião, que afirmou: 

“… associar-se ao justo contentamento da câmara, e agradecia como delegado do Poder Central, as manifestações endereçadas ao governo e ao magistrado distrital”.

De realçar ainda, que na acta da reunião seguinte, o Secretário do Município de Castelo de Vide afirmou que de acordo com o as orientações: 

“… se tinha deslocado à vila de Marvão onde tinha recebido, das mãos de Luís Pinto de Sousa Júnior, Secretário da extinta câmara, o respectivo arquivo”. 

Acrescentando também, 

“… que a transição se efectuara na melhor ordem e sossego e que isso ficava lançado em acta, para que a todos os tempos ser conhecido”.

POR ONDE ANDARIAM AQUELES QUE, NO FUTURO, SERIAM CONSIDERADOS OS "HEROIS DA RESTAURAÇÃO" DO CONCELHO DE MARVÃO?

De acordo com as fontes que consultámos, tudo aponta, para que integração do concelho de Marvão no de Castelo de Vide em 1895, se tenha feito de uma forma pacífica e com total concordância de todas as partes.

Em minha opinião, se a reacção do povo nos parece normal, numa época em que a maioria dos habitantes do concelho era gente pobre e dependente de alguns proprietários agrícolas endinheirados, preocupada muito mais com a sua sobrevivência do que com questões politicas ou de poder; já muito me surpreende a reacção passiva dos dirigentes do concelho, de quem não se conhece qualquer oposição ou resistência aos factos aqui relatados. Sinal que, ou estiveram de acordo ou, como consta, terão sido aliciados pelo Partido Progressista e Frederico Laranjo, a integrarem uma vereação conjunta no município de Castelo de Vide, aquando de futuras eleições.

Durante estes dois anos em que durou a integração, muito pouco nos chegou até hoje, já que em Marvão não são conhecidos quaisquer documentos de como terá decorrido a vida no concelho durante esse período. E em Castelo de Vide, também as referências são poucas, com excepção de referências a pequenos delitos ou fuga de mancebos ao recenseamento militar.

Mas a bem da verdade histórica é bom que se saiba, que a maioria dos dirigentes autárquicos da época não eram profissionais, eram grandes proprietários da região que desempenhavam essas funções, mas que, simultaneamente, tinham poder sobre o povo, que deles dependia, e se quisessem (ou pudessem), com facilidade teriam liderado alguma revolta ou manifestação contra a integração no concelho vizinho. Ora tal, como sabemos, não terá acontecido!

Em jeito de conclusão do que descrevemos, ficam aqui as palavras de Maria Ana Bernardo, autora da obra – Centenário da Restauração do Concelho de Marvão, quando nos diz que: 

“… de tudo o que se mencionou sobre o sentido das informações inclusas em documentação da administração municipal e concelhia de Castelo de Vide ressalta, por um lado, a satisfação com que os responsáveis por Castelo de Vide receberam o preceituado do decreto de 26 de Setembro de 1895; por outro, o ambiente de normalidade administrativa em que decorreu a anexação e, finalmente, a ausência de indicações sobre protestos oficiais oriundos dos antigos dirigentes de Marvão, ou sobre levantamentos populares.”

Ficamos ainda sem saber se esta integração, terá aproveitado alguma coisa aos marvanenses; já o mesmo, não se poderá dizer dos de Castelo de Vide, que em acta de 27 de Janeiro de 1898, da sua vereação, nos chegou a seguinte declaração, com que analisavam o final da anexação de Marvão:

“… esta vereação concorreu quanto pode para assinalar as vantagens da anexação dos concelhos de Castelo de Vide e de Marvão, agora desanexados, com grave prejuízo dos povos dos dois concelhos, que sempre viveram na melhor harmonia e assim hão-de continuar, estreitando-se cada vez mais as relações de família que os ligam e a comunidade de interesses comerciais e industriais que convergem a Castelo de Vide pela sua situação e elementos da vida. Crê que a desanexação não será duradoura, por quanto ela não exprime a vontade geral e obedeceu apenas, às veleidades de alguns homens, que levados de “nimio” amor pelas suas ideias sacrificaram a consciência e legítimos interesses dos povos aos seus caprichos. Apela para os testemunhos dos mesmos povos e eles dirão como nos dois anos que estiveram unidos experimentaram benefícios e melhoramentos que chegaram aos lugares mais distantes e como em tudo se revelou melhoria na administração municipal, e d´ora em diante hão-de ver retraídos esses benefícios, principalmente nas freguesias de Marvão onde faltam indivíduos habilitados para a necessária rotação dos cargos públicos, e rendimentos para fazer face às despesas de administração e aos melhoramentos privativos das localidades…”

Parece ser sempre a mesma história os integradores ou colonizadores paternalistas, face aos "desgraçadinhos" integrados ou colonizados…

 

3 - Conclusão política do autor

Como foi dito, à data da supressão do concelho de Marvão em 1895 a Vereação de Marvão era presidida por Matos de Magalhães, conotado com o Partido Progressista. Enquanto a Vereação de Castelo de Vide era presidida por Sequeira da Costa, do partido Regenerador, que por essa altura era também Governo do Reino, logo, como é lógico, os centralistas facilitaram o sentido dessa integração.

Consta ainda que, nessa época, o partido Progressista era liderado a nível distrital por Frederico Laranjo, que terá prometido e convencido os “dirigentes marvanenses” (Progressistas?) a aceitarem a integração em Castelo de Vide; com a promessa de lhes arranjar “um tacho”, no próximo “elenco progressista” camarário de Castelo de Vide, em futuras eleições autárquicas que se realizaram em 1896, e que os “heróis marvanenses” aceitaram sem fazer ondas!

Só que Frederico Laranjo nunca cumpriu a promessa, já que os Regeneradores voltaram a ganhar as eleições de 1986 em Castelo de Vide! O que não se sabe, é se terá sido também com o voto dos marvanenses….


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