sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O mundo dos outros...

Não sei se o texto que aqui reproduzo se aplica ao caso, ou seja a morte de 6 jovens na flor da idade, ainda nos faltam alguns dados. Mas o que sei, é que tenho observado coisas idênticas, inclusivamente, na minha cidade. Revolta-me e enoja-me o que vejo nas praxes de hoje, e sempre que passo por aqueles idiotas (os organizadores), só a muito custo me reprimo, e não lhes dou um grande pontapé no cu, que é o que eles merecem. Mas acho que da próxima vez não hesitarei.

Não são apenas os idiotas organizadores os responsáveis pelas vergonhas que se vêem todos os princípios de ano em todas as escolas. Co-responsáveis são, também, os Conselhos Directivos, Gestão das Escolas e as Autoridades deste país, que permitem estas autênticas cretinices.

Fui militar, Oficial de Cavalaria, fui praxado no Curso, mas sempre com respeito pela integridade física e psicológica, sem as palermices que vejo por aí. Nenhum "dux" ali se atreveria a perder ou ultrajar um camarada. Quantos jovens terão ainda que ser sacrificados para acabarem com esta merda? Atenção, moro em Portalegre, e da próxima vez que vos veja por aí, não me vou calar. Vão praxar a puta que vos pariu...

O texto que se segue foi retirado daqui, mas gostava de ter sido eu a escreve-lo

“Carta aberta a um Dux”


“Dux:

Ando aqui com esta merda entalada há já algum tempo. A ouvir as diferentes versões, a pensar nas dúvidas e a pôr-me no lugar das pessoas. Tento pôr-me no lugar dos pais dos teus colegas que morreram. Mas não quero. É um lugar que não quero nem imaginar. É um lugar que imagino ser escuro e vazio. Um vazio que nunca mais será preenchido. Nunca mais, Dux. Sabes o que é isso? Sabes o que é "nunca mais"?

A história que te recusas a contar cheira cada vez mais a merda, Dux. Primeiro não falavas porque estavas traumatizado e em choque por perderes os teus colegas. Até acreditei que estivesses. Agora parece que tens amnésia selectiva. É uma amnésia conveniente, Dux. Curiosamente, uma amnésia rara resultante de uma lesão cerebral de uma zona específica do cérebro. Sabias Dux? Se calhar não sabias. Resulta normalmente de um traumatismo crânio-encefálico. Portanto Dux, deves ter levado uma granda mocada na cabeça. Ou então andas a ver se isto passa. Mas isto não é uma simples dor de cabeça, Dux. Isto não vai lá com o tempo nem com uma aspirina. Já passou mais de 1 mês. Continuas calado. Mas os pais dos teus colegas têm todo o tempo do mundo para saber a verdade, Dux. E vão esperar e lutar e espremer e gritar até saberem. Porque tu não tens filhos, Dux. Não sabes do que um pai ou uma mãe é capaz de fazer por um filho. Até onde são capazes de ir. Até quando são capazes de esperar.

Vocês, Dux... Vocês e os vossos ridículos pactos de silêncio. Vocês e as vossas praxes da treta. Vocês e a mania que são uns mauzões. Que preparam as pessoas para a vida e para a realidade à base da humilhação, da violência e da tirania. Vou te ensinar uma coisa, Dux. Que se calhar já vai tarde. Mas o que prepara as pessoas para a vida é o amor, a fraternidade, a solidariedade e o civismo. O respeito. A dignidade humana e a auto-estima. Isso é que prepara as pessoas para a vida, Dux. Não é a destruí-las, Dux. É ao contrário. É a reforçá-las.

Transtorna-me saber que 6 colegas teus morreram, Dux. Também te deve transtornar a ti. Acredito. Mas devias ter pensado nisso antes. Tu que és o manda-chuva, e eles também, que possivelmente se deixaram ir na conversa. Tinham idade para saber mais. Meco à noite, no inverno, na maior ondulação dos últimos anos, com alerta vermelho para a costa portuguesa? Achavam mesmo que era sítio para se brincar às praxes, Dux? Ou para preparar as pessoas para a vida? Vocês são navy seals, Dux? Estavam a preparar-se para alguma missão na Síria? Enfim. Agora sê homenzinho, Dux. E fala. Vá. És tão dux para umas coisas e agora encolhes-te como um rato. Sabes o que significa dux, Dux? Significa líder em latim. Foste um líder, Dux, foste? Líderes não humilham colegas. Líderes não "empurram" colegas para a morte. Líderes lideram por exemplo. Dão o peito e a cara pelos colegas. Isso é um líder, Dux.

Não sei o que isto vai dar, Dux. Não sei até que ponto vai a tua responsabilidade nesta história toda. Mas a forma como a justiça actua neste país pequenino não faz vislumbrar grande justiça. És capaz de te safar de qualquer responsabilidade, qualquer que ela seja. Espero enganar-me. Vamos ver. O que eu sei é que os pais que perderam os filhos precisam de saber o que aconteceu. Precisam mesmo, Dux. É um direito que eles têm. É uma vontade que eles precisam. Negá-los disso, para mim já é um crime, Dux. Um crime contra a humanidade. Uma violação dos direitos humanos fundamentais. Só por isso Dux, já devias ser responsabilizado. É tortura, Dux. E a tortura é crime.

Sabes, quero-me lembrar de ti para o resto da vida, Dux. Sabes porquê? Porque não quero que o meu filho cresça e se torne num dux. Quero que ele seja o oposto de ti. Quero que ele seja um líder e não um dux. Consegues pereceber o que digo, Dux? Quero que ele respeite todos e todas. Que ele lidere por exemplo. Que ele não humilhe ninguém. Que seja responsável. Que se chegue à frente sempre que tenha que assumir responsabilidades. Que seja corajoso e não um rato nem um cobardezinho. Que seja prudente e inteligente. E quero-me lembrar também dos teus colegas que morreram. Porque não quero que o meu filho se deixe "mandar" e humilhar por duxezinhos como tu.

Não quero que ele se acobarde nem se encolha perante nenhum duxezinho. Quero que ele saiba dizer "não" quando "não" é a resposta certa. Quando "não" pode salvar a sua dignidade, o seu orgulho ou até a sua vida. Quero que ele saiba dizer "basta" de cabeça erguida e peito cheio perante um duxezinho, um patrãozinho, um governozinho ou qualquer tirano mandão e inseguro que lhe apareça à frente. É isso que eu quero, Dux. Quem o vai preparar para a vida sou eu e a mãe dele, Dux. Não é nenhum dux nem nehuma comissão de praxes. Sabes porquê, Dux? Porque eu não quero um dia estar à espera de respostas de um cobarde com amnésia selectiva. Não quero nunca sentir o vazio dos pais dos teus colegas. Porque quero abraçar o meu filho todos os dias da minha vida até eu morrer, Dux. Percebeste?

 Até EU morrer. EU, Dux. Não ele...”

3 comentários:

João, disse...

Alguns comentários de que gosto sobre o Tema:

O País a nu, como no Meco
por FERREIRA FERNANDES Hoje no Diário de Notícias

Amanhã, os jovens corvos voltarão às ruas.

Não se escondem, o fato é comum para todos, preto e sobre ele uma capa pesada, faça sol ou frio. Aqueles fato e capa não escondem, expõem a aceitação da mais bizarra das afirmações: somos manada. Num jovem não seria de esperar rebeldia e inquietude?

Ora, ora, talvez agora o padrão seja outro, ser rancho, ser grupo. E de grupo sem mérito nem voo. Ali, naquele país inculto e pobre, anunciar pelo fato e pela batina uma conquista, mesmo patética, já é conquista: olhem, sou estudante universitário!

Fica com a taça, jovem corvo. Nunca saberás que o mérito seria teres participado em debates e ganho, ou perdido, mas participado; seria teres gozado o prazer de aprender, de duvidar, de perseguires, mesmo erradamente, a luz. Mas esse não és tu. Tu, goza os teus três, quatro anos de fato de luto - o único diploma que te distinguirá a vida inteira, três, quatro anos a andar pelas ruas a proclamar nada.

Entretanto, sobe um patamar e praxa. Isto é, leva a tua ambição ao nível dos fundilhos do teu traje. No começo, obedece e humilha-te. Serás premiado, depois, com mandar e humilhar. Fica-te por aí, rasteiro. De grande, só a colher de pau. Fica-te por aí, és o País. Sem saberes que um só dos teus podia redimir a todos. Um só estudante, bela palavra, no pátio de uma universidade, bela palavra, dizendo as mais certas das palavras para um jovem: não vou por aí.



Pedro Sobreiro, no meu Facebook

Sem dúvida que o dux deve ser apertado, amedrontado, punido. Os repetentes de carreira, confortáveis pela almofada dos pais, são incapazes de terminarem o curso a tempo porque são baldas e não se preparam para a vida. Não vivem, sobrevivem. Coleccionam chumbos e passam o tempo a achincalhar os mais novos porque isso os engrandece e os faz sentir importantes. Que este caso sirva para mudar a sociedade portuguesa em relação a esta infâmia.

Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Segundo se sabe, quem morreu estava lá naquela praia porque queria dar nas vistas, aspirava a ser praxador como os outros, queira passar pela prova de fogo que lhe permitiria ser mais um dos caçadores. As mensagens dos telemóveis em que diziam que não sabiam se iriam sobreviver foram afinal verdade. Pagaram caro, com a própria vida.

A natureza foi mais forte, falou mais alto e tudo levou.

Quanto mais sei sobre o caso, quantos mais elementos conheço, mais lamento a perda desses pais. Eles sim, foram as verdadeiras vítimas. Vergonha do país, deste estado democrático e de direito, bem inserido na União Europeia onde tem um forte apoio, sem conflitos nem vizinhanças difíceis, mas com esta guerra civil académica que adensa as dificuldades de viver na crise económica tão terrível.

Que sirva de lição. Para eles e para todos nós. Para que nos sintamos no direito de intervir e preservar o que é humano. Praxar é integrar, é brincar e tornar do grupo, com graça e respeito. Sejamos vigilantes.

Helena Barreta disse...

Parece-me exagerado cruxificar, julgar e ditar a sentença ao jovem que sobreviveu sem primeiro sabermos o que de facto aconteceu. Sou mãe de um jovem de 21 anos, aluno de mestrado e sinto a dor daqueles pais, mas não consigo julgar e afirmar que a culpa do sucedido é do sobrevivente. Há praxes violentas, aberrantes e muito pouco dignificantes, há com certeza, mas parece-me prematuro dizer-se que as mortes são consequência da praxa.



Felizardo Cartoon disse...

Nunca fui apologista das praxes e dos seus exageros.
Aliás, numa primeira instância, direi que estas são uma tradição de Coimbra que depois se estendeu, artificialmente, a quase todas as faculdades e institutos politécnicos portugueses.

São inúmeros os relatos de selvajaria, acidentes mortais, suicídios. Há maus exemplos, a registar ao longo dos anos, destas práticas.

As cerimónias de recepção aos novos estudantes, os ditos caloiros, deviam ser no sentido da integração positiva e não da humilhação bacoca. Felizmente na faculdade que frequentei (Belas Artes), nunca ninguém alinhou nessas práticas. havia até um professor que dizia que as praxes eram manifestações de uma juventude portuguesa envaidecida só pelo facto de andar a estudar.