Para abrir as hostilidades do ano novo. Muito bom. Se ele (o pedrito) se lembra de taxar a criatividade e o humor não há dívida que resista a este portuguesismo!!!!!
"Remorsos de um encenador de teatro
por FILIPE LA
FÉRIA, 29 Dezembro 2013 (tirado daqui).
Muita gente me
acusa de ser o culpado do estado de desgraça do nosso país por ter reprovado
Pedro Passos Coelho numa audição em que eu procurava um cantor para fazer parte
do elenco de My Fair Lady. Até o
espertíssimo gato fedorento Ricardo Araújo Pereira já afirmou que eu devia ser
chicoteado em público todos os dias até Passos Coelho desistir de ser
primeiro-ministro, como insistentemente o aconselha o Dr. Soares.
Na verdade,
confesso que em 2002, quando preparava os ensaios para levar à cena My Fair Lady fiz uma série de audições a
cantores para procurar o intérprete do galã apaixonado por Elisa Doolittle, a pobre vendedora de flores do Covent Garden, personagem saída da
cabeça brincalhona e maniqueísta de Bernard
Shaw, genial dramaturgo que no seu tempo se fartou de gozar com políticos.
Entre muitos concorrentes à audição, apareceu Pedro Passos Coelho de jeans, voz colocada, educadíssimo e
bem-falante. Era aluno de Cristina de Castro, uma excelente cantora dos tempos
de glória do São Carlos que tinha sido escolhida por Maria Callas para contracenar com a diva na Traviata quando da sua passagem histórica por Lisboa. As
recomendações portanto não podiam ser melhores e a prova foi convincente.
Porém, Passos
Coelho era barítono ( um registo vocal masculino
que se encontra entre o baixo e o tenor. É uma das vozes mais comuns em cantores)
e a partitura exigia um tenor. Foi por essa pequena idiossincrasia vocal que
Passos Coelho não foi aceite, o que veio a ditar o futuro do jovem aspirante a
cantor que, em breve, ascenderia a actor protagonista do perverso musical da
política. Se não fosse a sua tessitura de voz de barítono, hoje estaria no
palco do Politeama na Grande Revista à Portuguesa a dar à perna com o João
Baião, a Marina Mota, a Maria Vieira, e talvez fosse muitíssimo mais feliz.
Diria mal da
forma como o Estado trata a cultura em Portugal, revoltar-se-ia com os impostos
que o teatro é obrigado a pagar, saberia que um bilhete, que é vendido ao
público a dez euros, sete vão para o Estado, teria um ataque de nervos contra
os lobbies da Secretaria de Estado da
Cultura (há quarenta anos sempre os mesmos...), não saberia sequer o nome do
obscuro e discretíssimo secretário da Cultura oficial, não perceberia porque em
Portugal não há uma Lei do Mecenato
que permita aos produtores de espectáculos cativar os mecenas (tal é a volúpia
cega dos impostos), saberia que cada vez mais há artistas no desemprego em
condições miserabilistas e degradantes, que fazer teatro, cinema ou arte em
Portugal se tornou um acto de loucura e de militância esquizofrénica.
Mas a cantar no
palco do Politeama estaria bem longe da “bomba-relógio”
do Dr. Paulo Portas, cada vez mais fulgurante como pop-star, da troika,
agora terrível e pós-seguramente medonha; das reuniões de quinta-feira com o
Senhor Professor; do Gaspar que se pisgou para o Banco de Portugal; dos enredos
do partido, bem mais enfadonhas do que as animadas tricas dos bastidores do
teatro; das reuniões intermináveis com os alucinados ministros; das
manifestações dos professores, dos polícias, dos funcionários públicos, dos
pescadores, dos estivadores, dos reformados, dos trabalhadores de tudo o que
mexe e não mexe em cima deste desgraçado país; ah, e das sentenças do Palácio
Ratton que agora são chamadas para tudo, só para tramarem a cabeça
intervencionada do pobre Pedrinho. Não bastava já as constantes birrinhas do Tó
Zé Seguro, as conversas da tanga do Dr. Durão Barroso, o charme cínico e
discreto de Madame Christine Lagarde,
as leoninas exigências da mandona da Europa para Bruxelas assinar a porcaria do
cheque.
Valha-lhe o Papa Francisco que tudo isto é
de mais para um barítono!
Assumo o meu
mais profundo remorso. Devia ter proporcionado ao rapaz um futuro mais insignificante,
mas mais feliz. Mas, tal como Elisa
Doolittle, que depois de ser uma grande dama prefere voltar a vender flores
no mercado de Covent Garden, talvez o nosso herói renegue todas as vaidades e
vicissitudes da política e suba ao palco do Politeama para interpretar a versão
pobrezinha mas bem portuguesa de Os Miseráveis!
PS: O artigo foi
escrito em português antigo. No Teatro Politeama nem as bailarinas russas
aderiram ao Acordo Ortográfico."
1 comentário:
este quem o viu e quem o vê. dantes apoiava o cavaco, esse arauto da cultura portuguesa que nem se dignou a comparecer nas eséquias fúnebres de José Saramago. agor anda zangado com os ps's, psd's e pp's da nossa praça. mais vale tarde que nunca, é certo, mas cheira-me que o politiema deve estar outra vês à beira da falência... mostrando assim que, há arrependimentos, mas tb há persistência nos mesmos erros (neste caso, de gestão da cultura). mas pelo menos aprendeu que aquela troica de políticos básicos não presta, nem para cantar, nem para nada. há quem leve uma vida inteira para abrir os olhos e não consiga... ;-)
Enviar um comentário