“A pobreza cria doença, e a doença cria
pobreza!”
Este princípio,
conhecido na economia da saúde como o “círculo vicioso de Horowitz”, é a mesma
coisa que dizer: Quanto mais pobres mais
doentes, e quanto mais doentes, mais pobres.
Procurando integrar
este princípio, num conceito mais positivo, posso inferir que, quanto menos
doenças e doentes uma comunidade tiver, isto é, quanto mais saudável for, tanto
mais essa comunidade será produtiva, e menos recursos terão que gastar em
tratamentos e recuperações dos seus membros. Parecendo um princípio lógico, ele
está longe de ser aceite pela generalidade dos gestores e trabalhadores da
saúde (mais parecendo gestores da doença), sobretudo, devido aos grandes
interesses económicos que dominam esta área, e que ganham a vida à custa da
desgraça (doença) alheia.
Há mais de 35
anos (Conferência de Alma-Ata, 1978) que se proclama que os sistemas de saúde,
e especialmente os serviços nacionais de saúde, deveriam assentar a sua acção nos
cuidados primários de saúde e, prioritariamente, na vigilância, promoção da
saúde e prevenção de doenças evitáveis, e assim contribuírem para o bem-estar
individual e colectivo e, consequentemente, para a Qualidade de Vida dos povos.
Portugal foi um
dos primeiros países a assinar e aceitar esses princípios, numa época em que o
Serviço Nacional de Saúde (SNS), dava os primeiros passos. Mas o que aconteceu
a seguir, na prática, foi exactamente o contrário: uma ênfase e investimento continuado
nos cuidados curativos e de tratamentos, com altos custos em recursos
tecnológicos, consumos disparatados de medicamentos (veja-se o caso abusivo e
sem controlo dos antibióticos, antidepressivos e afins), e um quase abandono
dos cuidados preventivos, sem que se observe ganhos em saúde correspondentes, e
que leva a que haja cada vez mais doentes e em idades mais precoces, e, previsivelmente,
um aumento incomportável dos custos com o SNS que temos que suportar, ou pedir
emprestado.
Fazer avaliação
objectiva do estado de saúde de uma população é algo que não é nada fácil, e em
Portugal, essa avaliação é praticamente inexistente. Os diversos Indicadores do
SNS português deixam muito a desejar, já que na sua maioria são Indicadores de “Processos”
e, mais uma vez, não de “Resultados”, veja-se o exemplo muito valorizados de
“consultas médicas/habitante”, como se isso fosse sinónimo de bons cuidados de
saúde, quando todos sabemos que o não é. O que deveria ser avaliado era que
“ganhos em saúde” (resultados) se consegue em cada consulta. Não é pelo simples
facto de qualquer freguês ver muitas vezes um médico, que vai melhorar o seu
estado de saúde, por muito que este princípio custe aos senhores doutores
médicos. O que deveria ser avaliado era o que é que cada um destes “contactos”
contribui com “indicadores positivos de bem-estar” de uma pessoa ou de uma
comunidade, isto é, “a felicidade” e a Qualidade de Vida.
No caso
particular de Marvão, pela experiência e conhecimento que tenho dessa área, não
sei, nem ninguém sabe, se o estado de saúde dos marvanenses é pior ou melhor,
que o dos habitantes de um outro concelho do distrito. Mas o que posso afirmar
com segurança, é que será aquele (em todo o distrito de Portalegre), onde os
cuidados de saúde têm pior acesso, e mais caros ficam aos habitantes de um
concelho, como atestam os Indicadores que mais à frente apresentarei.
Os 3 Indicadores
sobre Saúde de que aqui me socorro poderão não ser os melhores, de acordo com o
que tenho vindo a defender (resultados), pois não passam dos tais “indicadores de processo”, mas são os
que existem, e são usados mesmo a nível internacional. O que conviria conhecer
eram Indicadores sobre o impacto que estes “indicadores
de processos” têm sobre o estado de saúde das comunidades, mas esses, terão
ainda de ser publicados, por agora limitemo-nos aos que existem.
1 – Profissionais de cuidados de saúde
primários por habitantes no distrito de Portalegre
Apresento aqui dois Quadros sobre este Indicador. O 1º diz respeito ao nº de habitantes por médico de família nos centros de saúde do distrito; e o segundo ao nº de habitantes pelo total de profissionais, desses mesmos centros de saúde.
(Clicar sobre as imagens para ver melhor)
No Quadro 7 podemos verificar que Marvão é o que apresenta maior quantidade de habitantes/médico no conjunto dos concelhos do distrito: 1 728 habitantes/médico, já que existem apenas 2 Médicos (mais um bocadinho de outro), para a prestação de cuidados de saúde aos cerca de 3 500 habitantes do concelho. Este número é mesmo superior ao rácio que se verifica nas 3 cidades do distrito (Portalegre, Elvas e Ponte de Sôr), onde as populações desfrutam de serviços de urgência 24 horas/dia. O concelho rural que mais se aproxima de Marvão é Arronches, onde os médicos têm, em média, menos 200 habitantes. Comparando com os nossos vizinhos de Castelo de Vide, podemos verificar, que cada médico que aí trabalha tem menos 600 habitantes do que os de Marvão.
Ainda no que toca a recursos humanos, podemos verificar no Quadro 7/A, que este deficit não diz respeito apenas ao pessoal médico, também no que toca ao rácio de habitantes pelo total do pessoal que trabalha nos centros de saúde, Marvão, ocupa o penúltimo lugar no conjunto dos concelhos com menos de 10 000 habitantes do distrito de Portalegre. A separação de Quadros com os municípios maiores deve ser feita, porque nas cidades as populações são mais concentradas e logo precisam menos funcionários por habitante.
Marvão tem assim um rácio de 269 habitantes/trabalhador no centro de
saúde, uma média de mais 100 habitantes/trabalhador quando comparamos
com concelhos os idênticos. O que quer dizer que, em nome da tal igualdade (170
habitantes/trabalhador), o centro de saúde Marvão deveria ser reforçado com
mais 6 a 8 funcionários.
Tendo o concelho de Marvão uma das populações mais dispersas em todo o distrito, esta situação deveria ser corrigida com urgência, em nome da tão propalada igualdade de direitos. Fazer omeletas, tendo ovos, já não é para todos! Sem ovos é muito difícil, ou mesmo impossível.
2 – Consultas médicas por habitante no distrito de Portalegre
Também neste indicador faço a separação entre os concelhos com menos de 10 000 habitantes e as cidades, já que estas têm e usam outros recursos como são exemplo os serviços de urgência, isto é, jogam noutro campeonato.
Como podemos
verificar no Quadro 8, também aqui Marvão ocupa o último lugar da tabela, com
uma média de apenas 4,5 consultas/habitante/ano. São em média menos 2 consultas
por ano que um avisense, um campomaiorense, ou mesmo um arronchense. Quando
comparado com os nossos vizinhos de Castelo de Vide, os habitantes de Marvão
têm menos cerca de 3 500 consultas médicas em cada ano. A média de consultas
médicas no distrito, quando integradas as 3 cidades, é de praticamente 5
consultas/habitante.
3 – Cobertura vacinal no distrito de
Portalegre
Este Indicador é
um pouco diferente dos outros, já que os resultados do Plano Nacional de
Vacinação PNV) estão mais que demonstrados, nos seus quase 50 anos de
existência (desde 1965), sendo considerado o «mais importante programa de
saúde», e aquele que mais impacto tem na saúde dos portugueses, e por isso
aqui o trago ao conhecimento público. Para enquadrar o acabo de dizer, deixo
aqui esta pequena citação da Direcção-Geral da Saúde em 2005, quando da
comemoração dos 40 anos do PNV:
“O impacto da vacinação na saúde das
populações é inestimável. Com excepção da disponibilidade de água potável,
nenhuma outra intervenção, nem mesmo a utilização de antibióticos, teve um
efeito tão importante na redução da mortalidade e na morbilidade populacional
em todo o mundo. O PNV permitiu nos últimos 40 anos, eliminar ou controlar dez
doenças infecciosas graves, tornando-se o mais importante programa de saúde
pública do país, pelo que é considerado um dos programas prioritários do Plano
Nacional de Saúde. “
Durante cerca de 5 anos (2004/2009) tive oportunidade de ter responsabilidades na gestão deste Programa no distrito de Portalegre, enquanto Responsável da Vacinação distrital da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano. Durante esse período foi-me possível, em conjunto com os centros de saúde de todo distrito, proceder a uma programação de actividades, que tinham como objectivo alcançar taxas de vacinação de excelência, com a finalidade de melhorar os níveis de saúde da população do distrito, através dos benefícios da vacinação.
Durante esse período de 5 anos, houve concelhos onde foi possível aumentar as taxas de cobertura vacinal para o dobro da que existia (na população total e não apenas na infância ou juventude), casos concretos do Crato, Fronteira ou Avis (Arronches e Ponte de Sôr já estavam mais adiantados mas aumentarem também significativamente), com valores acima dos 70% da população. Infelizmente em Marvão, a minha terra, apesar de todos os meus incentivos aos seus profissionais, essa taxa, pouco foi além dos 50%, como se pode verificar no Quadro 9, ocupando apenas o 10º lugar no universo dos 15 concelhos.
Na consulta dos dados, há que ter em conta que estes são de 2009, mas penso que desde aí, e pelas notícias que me chegam, a situação não se deve ter alterado muito, não sei mesmo se não se degradou. Se assim foi é pena, porque os resultados do impacto da vacinação na Qualidade de Vida e bem-estar das populações é inquestionável, digo eu.
Conclusão:
Constata-se assim que Marvão é o concelho com
menos médicos por habitante; é o concelho em que o Centro de Saúde menos horas
está aberto ao público; é o único concelho que não tem serviços de saúde
abertos ao fim-de-semana e/ou feriados; é o concelho de piores acessos
geográficos devido a ser o mais disperso do distrito, etc., etc. Tudo isto,
daria revolta em qualquer concelho deste país, e teria os seus autarcas à
frente das populações para reclamar igualdade de tratamento em relação aos
outros concelhos do distrito.
Mas não, os
marvanenses comem e calam. E os seus dirigentes, assobiam para o lado. Ao longo
dos anos não têm conseguido exigir aos dirigentes da saúde distritais a repor esta
injustiça. Em minha opinião, isto acontece, porque são uns ignorantes no que
toca ao funcionamento de serviços de saúde (saúde não é coisa de engenheiros!),
e qual o seu papel enquanto representantes de uma população, e
consequentemente, representam mal aqueles que os elegem. E bem podem papaguear,
como o fazem continuamente, que os Cuidados de Saúde não são da sua
responsabilidade;
- Mas a representação dos marvanenses é-o,
assim como criar condições e exigir igualdade de tratamento para aqueles que os
elegem, e lutar com todas as armas legais ao seu dispor.
Assim sendo, e
de acordo com o círculo vicioso de Horowitz, sendo o concelho de Marvão um dos
que apresenta maiores índices de pobreza do distrito (menor poder de compra,
mais baixo salário médio, e uma baixa taxa de emprego), que tem estes
Indicadores de Cuidados de Saúde; não me admiraria que para além dos mais
pobres, os marvanenses, não sejam aqueles que apresentem menores índices de
saúde, quer individual quer colectiva e, consequentemente, de bem-estar. Mas
quem sabe se aqui existirá mais um princípio: “Doentes, mas com Qualidade...”