... e se recordar é
viver, aqui fica a minha contribuição com o Post que me iniciou nesta coisa da
blogosfera, publicado em Dezembro de 2007:
"COMO NASCE UM BLOGUE
…a meu pai
(1920-2006)
“Decorria o ano
de 1956, já havíamos passado o solstício de verão e as noites corriam longas e
cálidas, celebrando-se nesse dia segundo o calendário gregoriano, a festa de S.
Pedro. Manuel, homem de pouco mais de trinta anos de idade, caminhava ao longo
das margens da ribeira, que meia dúzia de quilómetros mais abaixo chamavam de
rio Sever, que o conduziriam ao moinho do Fraguil, onde morava. Cismava sobre
os últimos meses da sua vida falando baixinho como era seu hábito, após mais
uns copos com os amigos na tasca do Chico Videira. Esperava pelas duas horas da
manhã, hora que, juntamente com mais meia dúzia de companheiros, pegaria na sua
carga de café contrabandeado que iria entregar perto de Malpartida de Cáceres.
Luísa, sua
mulher, havia-o deixado, depois de mais uma desavença entre ambos e, juntamente
com a filha haviam-se acolhido em casa arrendada na Martela, do outro lado da
ribeira, cerca de mil metros de distância em linha de tiro de onde Manuel agora
se encontrava. Francisco, o filho mais velho casal, então com quinze anos de
idade, já há muito que trabalhava em casa de patrão para ganhar a vida, que os
tempos não iam fáceis.
Várias haviam já
sido as suas tentativas de ajuntamento, mas desta vez, Luísa, parecia não estar
pelos ajustes. Ele bem tentava, pois todos os dias, à tardinha, esperava
Conceição, assim se chamava a filha do casal desavindo, quando esta regressava
da escola e lhe entregava um pãozinho, incumbindo-a de dizer à mãe que voltasse
para casa, na esperança, que tal gesto pudesse seduzir Luísa, mas até esse dia
sem qualquer resultado prático. Apesar do pão não ser devolvido, também os
sinais de que Luísa estivesse para quebrar, tardavam em aparecer.
Pouco passava
das dez horas da noite, hora aquela de lusco-fusco, em que todos os gatos
parecem pardos e, Manuel, sentiu como que um calafrio que lhe percorreu a
espinha, dorida dos trinta quilos de café que tinha carregado a noite passada e
depois de mais uma fuga dos guardas-fiscais, que por pouco, o não apanhavam ali
bem perto do secadeiro-da-bruxa. Mas aquele calafrio, não lhe pareceu de dor,
nem tão pouco de frio, pois a noite estava quente, e as dores, sabia ele como
lhe mordiam. Demorou ainda alguns segundos a perceber o porquê, mas, no momento
seguinte, a coisa ficou clara no seu pensamento, pois, certamente, se devia à
lembrança de corpo de mulher, que há três meses não tocava, e que de repente
lhe aflorou, algures na sua cabeça.
Sem perceber,
como que por automatismo, encontrou-se a saltar as passadeiras que o levariam à
outra margem da ribeira e, sem saber muito bem porquê, já subia, por entre as
giestas floridas, a encosta que o haveria de levar às proximidades da casa onde
vivia Luísa…”
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