terça-feira, 9 de junho de 2015

Se hoje é um dia para lembrar arquivos...


... e se recordar é viver, aqui fica a minha contribuição com o Post que me iniciou nesta coisa da blogosfera, publicado em Dezembro de 2007:


"COMO NASCE UM BLOGUE

…a meu pai (1920-2006)

“Decorria o ano de 1956, já havíamos passado o solstício de verão e as noites corriam longas e cálidas, celebrando-se nesse dia segundo o calendário gregoriano, a festa de S. Pedro. Manuel, homem de pouco mais de trinta anos de idade, caminhava ao longo das margens da ribeira, que meia dúzia de quilómetros mais abaixo chamavam de rio Sever, que o conduziriam ao moinho do Fraguil, onde morava. Cismava sobre os últimos meses da sua vida falando baixinho como era seu hábito, após mais uns copos com os amigos na tasca do Chico Videira. Esperava pelas duas horas da manhã, hora que, juntamente com mais meia dúzia de companheiros, pegaria na sua carga de café contrabandeado que iria entregar perto de Malpartida de Cáceres.

Luísa, sua mulher, havia-o deixado, depois de mais uma desavença entre ambos e, juntamente com a filha haviam-se acolhido em casa arrendada na Martela, do outro lado da ribeira, cerca de mil metros de distância em linha de tiro de onde Manuel agora se encontrava. Francisco, o filho mais velho casal, então com quinze anos de idade, já há muito que trabalhava em casa de patrão para ganhar a vida, que os tempos não iam fáceis.

Várias haviam já sido as suas tentativas de ajuntamento, mas desta vez, Luísa, parecia não estar pelos ajustes. Ele bem tentava, pois todos os dias, à tardinha, esperava Conceição, assim se chamava a filha do casal desavindo, quando esta regressava da escola e lhe entregava um pãozinho, incumbindo-a de dizer à mãe que voltasse para casa, na esperança, que tal gesto pudesse seduzir Luísa, mas até esse dia sem qualquer resultado prático. Apesar do pão não ser devolvido, também os sinais de que Luísa estivesse para quebrar, tardavam em aparecer.

Pouco passava das dez horas da noite, hora aquela de lusco-fusco, em que todos os gatos parecem pardos e, Manuel, sentiu como que um calafrio que lhe percorreu a espinha, dorida dos trinta quilos de café que tinha carregado a noite passada e depois de mais uma fuga dos guardas-fiscais, que por pouco, o não apanhavam ali bem perto do secadeiro-da-bruxa. Mas aquele calafrio, não lhe pareceu de dor, nem tão pouco de frio, pois a noite estava quente, e as dores, sabia ele como lhe mordiam. Demorou ainda alguns segundos a perceber o porquê, mas, no momento seguinte, a coisa ficou clara no seu pensamento, pois, certamente, se devia à lembrança de corpo de mulher, que há três meses não tocava, e que de repente lhe aflorou, algures na sua cabeça.


Sem perceber, como que por automatismo, encontrou-se a saltar as passadeiras que o levariam à outra margem da ribeira e, sem saber muito bem porquê, já subia, por entre as giestas floridas, a encosta que o haveria de levar às proximidades da casa onde vivia Luísa…”

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