“Fazer de conta que se dialoga, que se é um
democrata, mas fazer só o que lhe vai na real gana...”
Hesitei bastante
em escrever sobre este tema, pois, possivelmente, irei desagradar a alguém para
além daqueles a quem me dirijo, nomeadamente, alguns interesses particulares
legítimos, mas o que penso que aqui estou a defender é o interesse público, e o concelho de Marvão. O
ideal era que esses interesses particulares pudessem ser negociados e harmonizados
com os interesses comunitários e, sinceramente, não me parece que seja isso que
esteja a acontecer, e por isso decidi que não podia ficar calado. Pelo menos
fico bem com a minha consciência, e levanto aqui uma questão, que antes de ser
decidida, deveria ser alvo de uma discussão alargada entre a comunidade
marvanense.
Como é do
conhecimento da maioria dos marvanenses, ou deveria ser, após um longo
processo, a Câmara Municipal de Marvão acabou de adquirir (com o dinheiro dos
contribuintes, isto é, de todos nós), pelo valor de cerca de 700 mil euros, ao Estado Central, o complexo do Bairro
da Fronteira de Galegos. Felicito aqui todo o trabalho e empenho de Vítor
Frutuoso e sua equipa pela aquisição, mas não posso estar mais em desacordo com
o processo que agora se está a desenvolver.
Como é
reconhecido, certamente por todos os marvanenses, trata-se de um espaço nobre: amplo,
agradável, plano, bem situado junto à fronteira com Espanha. E a seguir ao
espaço da Portagem, talvez seja o melhor espaço do concelho. Se estivéssemos em tempo
de “vacas gordas” ou se eu fosse um idealista diria que, aqui, quase tudo se
poderia arquitectar. Mas como os tempos não vão de feição, e eu sou mais do
realismo do que dos sonhos, sou em opinar que, perante esta localização única, se
deveria parar para pensar o que ali se poderia e deveria fazer, e, não embarcar
na primeira ideia que vem à cabeça (por mais iluminados que nos julguemos), na
mais fácil, ou de favores a amigos de ocasião. Porque está em causa o interesse
público, e uma situação destas não se repete na história do concelho.
Apesar do Presidente Vítor Frutuoso, que não é
nada teimoso (!), já ter metido na cabeça há muito tempo que a finalidade estratégica deste
espaço seria para habitações – quer para alguns que já aí vivem, quer para
acrescentar ao já farto parque habitacional do concelho (existem 2 apartamentos
por família no concelho de Marvão); na última Reunião de Câmara de Outubro,
quando da discussão do Orçamento 2015, fiquei com a ideia que se iria fazer um debate, e que a opção da zona habitacional iria passar por alguma discussão.
Mais disso
fiquei convencido quando o próprio Presidente, considerou a Declaração de Voto apresentada pelo Vereador Nuno Pires: - “Que essa declaração seria, no futuro, como
uma “bíblia” para o actual Executivo”. E transcrevo aqui o que dizia
essa Declaração a este respeito:
“-
Bairro da Fronteira do Porto Roque (Maior investimento proposto para 2015)
Relativamente à aquisição deste Bairro, é
com pena que verificamos a falta de estratégia por parte do executivo acerca
desta infra-estrutura (talvez um dos locais mais nobres do concelho), com um
potencial para desenvolvimento de Projectos da área económico e social em
deficit no nosso concelho, nomeadamente, a falta de emprego e o despovoamento.
Concordamos com a aquisição, e estamos de
acordo com a resolução das situações dos habitantes que efectivamente habitam
estas casas; Estamos ainda de acordo, que sejam criadas as condições
necessárias para a manutenção de habitação digna e condições dessas famílias,
ali ou em outro local que se negoceie. Mas defendemos que após a aquisição, e
tendo em conta a situação de localização de excepcionalidade deste Bairro,
deveria ser criada um Comissão/Grupo de
Trabalho compostas por peritos e autarcas, com vista a encontrar um
Projecto que beneficiasse o concelho e os seus habitantes.
Esta nossa visão de futuro para esta infra-estrutura
vai ao encontro das declarações do presidente do Tribunal de Contas Europeu,
Dr. Vítor Caldeira, proferidas na recente homenagem que lhe fez o Município na
atribuição da medalha de mérito Municipal, quando declarou que: “...o desafio
dos municípios do interior para combater o despovoamento, é o de encontrar alternativas?”.
Estas declarações poderão bem ser o mote que se aplica a este Projecto.
Em nossa opinião, manter o foco exagerado no
desenvolvimento da Habitação e Urbanismo, é um erro crasso deste executivo para
o projecto da Fronteira. Temos vários exemplos ao longo destes mandatos:
- O
terreno para o Loteamento na Beirã, transformado actualmente numa pista de MotoCross;
- O Loteamento de Santo António das Areias,
com mais de 50% dos lotes para vender;
- O loteamento do “Vaqueirinho”, o processo
continua a aguardar resolução;
- O terreno para o Loteamento da Portagem,
nada se sabe;
Num concelho que segundo os censos 2011 tem
2 apartamentos por família, a aposta continuada na habitação, talvez não seja
prioritário. Seria bem mais importante virar agulhas para a requalificação do
que existe.”
No entanto o que
verifico nas informações dadas por Vítor Frutuoso, é que esse debate, não se irá
fazer, pois ele já há muito que tomou a decisão. Veja-se o que encontrei na Acta da Reunião do dia 5 de Janeiro de 2015:
“INFORMAÇÕES DO SENHOR PRESIDENTE: A
Fronteira de Marvão já está na posse do município e vai tentar reunir com os
moradores e saber quais são os que pagavam renda ao Património do Estado para
lhes propor um ajuste directo caso desejem adquirir as casas. No entanto, vai
solicitar aos advogados do município um parecer sobre a legalidade desta
intenção. É para avançar com esta ideia, tendo em conta que há pessoas que não
têm contratos de arrendamento, e com as quais pretende fazer o negócio directamente
sem irem a hasta pública para não serem prejudicadas caso haja outros
interessados nas habitações. Na reunião vai informar que irá dar preferência a
quem pagou renda durante estes anos e é intenção que fique registado que as
casas sejam para primeira habitação e as que sejam para férias serão colocadas
em hasta pública. Depois desta reunião e depois de feita uma lista dos
interessados, bem como de uma selecção dos mesmos, apresentará à Câmara
Municipal.”
Conclusão:
A “bíblia” e os
seus mandamentos, para Vítor Frutuoso, não passam de tábua rasa.
É pena, mas a
coisa pública é assim que se administra. Assim o concelho irá gastar cerca de 2 milhões de euros (700 mil de aquisição + 1,3 milhões para infra-estruturas,
no mínimo). Para aplicar numa coisa que já somos largamente excedentários, e que irá aumentar drasticamente nos próximos anos, quando concelho ficar com cerca de 2 500 habitantes, cerca de 1 000 famílias e perto de 3 000 apartamentos familiares.
As perguntas que
ficam são se, este investimento não poderia ser melhor rentabilizado, beneficiar e contribuir para o desenvolvimento efectivo do concelho, nomeadamente, na criação de emprego e fixação de
pessoas? Se não se deveria procurar resolver o problemas dos ainda ainda aí vivem, e ficar com o espaço livre para se planear um bom projecto. E em vez de se beneficiarem meia dúzia de pessoas, com o dinheiro de
todos, não seria melhor construir um Projecto que beneficiasse muitos
marvanenses? E quem serão os grandes conselheiros do Presidente, que assim decide, num
tão importante projecto para o concelho, desprezando o debate e novas ideias?
As questões aqui ficam. Veremos os resultados...