Agora um pouco
mais a sério. Na sequência do que já havia afirmado aqui, deixo este artigo onde
me revejo, e para não estar a repetir o que outros já escreveram.
Sócrates 2.0?
Por Diogo
Agostinho
“O país falou. Bem, uma parte do país. E foi
expressiva a vitória. Depois de 4 meses, sim foram 4 penosos meses, de uma
campanha recheada de ataques pessoais, calúnias e episódios rocambolescos, que
culminaram naquilo que já todos sabíamos. A questão de fundo, nestas primárias
socialistas, era de forma. O conteúdo esteve manifestamente ausente. António
José Seguro, o defensor do interior, vindo de fora dos círculos elitistas de
Lisboa, não era um fiel escudeiro da herança socratista. E assim, entre outros
erros e falhas, começou a sua queda e o seu desgaste.
Depois de 7 anos, do Governo de José
Sócrates, em que António Costa foi uma peça fundamental, titular da pasta da
Administração Interna, número dois no Governo e no Partido, era óbvio que os
dias estavam contados para o homem de Penamacor.
As primárias foram uma brisa de ar fresco no
bafio do Bloco Central ao abrir a simpatizantes uma decisão que é normalmente
feita em sacos de votos, dentro dos Partidos. Foi a única grande vantagem deste
processo, liderado pelo todo-poderoso Jorge Coelho.
Ao longo deste tempo, pelas bandas do Rato
ninguém deu pela saída da Troika (quer dizer, formalmente), pela falência do
maior banco privado português, pelo sumiço do DDT, pelo experimentalismo do
Banco de Portugal, pelo Verão sem calor nem sol, pelo puxão de orelhas do
Tribunal Constitucional ao Governo, pelo apagão do CITIUS, que os Ministros de
Portas vão fazendo o seu caminho e também não repararam que o Primeiro-Ministro
andou ocupado com a exclusividade.
Enquanto os Antónios se digladiavam, tudo o
que aconteceu no país ficou em espera.
Não sei se o que resta desta contenda será
suficiente para unir um Partido em cacos, mas a sabedoria popular ensina-nos
que o cheiro a poder é sempre afrodisíaco. E se é.
Numa campanha de forma e de estilos vimos um
Seguro agressivo, sobretudo quando o tema era António Costa e vimos um Costa
igual a si próprio, contundente, nos dois últimos debates, mas sem uma linha,
uma ideia, sem um plano de fundo, para mostrar e mobilizar o país.
Depois de três anos de travessia do deserto,
em que Seguro teve de apoiar os memorandos negociados por outros, Costa, no
alto da janela do município sempre de olho no Rato, em São Bento ou Belém,
conforme o resultado dos cálculos políticos, foi minando e contando com a ajuda
preciosa vinda de Paris, sempre disponível para acabar com quem não
dignificava, isto é, defendia o legado do último Governo PS.
O
problema começa agora. O D. Sebastião, Costa, o Desejado, como se percebeu pela
campanha, e se vê todos os dias desde há mais de 7 anos na cidade de Lisboa,
nada tem a dizer ou a fazer de fundamentalmente novo.
Tem a aura, o contexto familiar e o trajecto
dos ungidos. Mas e substância? O que pensa o novo candidato do PS a
Primeiro-ministro da divida pública do País? O que pensa o ainda Presidente de
Câmara de Lisboa da reforma do Estado? E da conjugação dos impostos com o
défice das contas públicas? E o que defende para fomentar o salvífico
"crescimento"? E o que pensa da Europa e a da integração europeia? E
o que pensa da nossa Constituição?
Falou-nos de uma agenda para a década. É
bonito e soa bem. Mas e que mais? E como? Através do investimento público?
Outra vez as grandes obras públicas? Mas onde é que já vimos isto? Pois. Também
me lembro bem do senhor que estava ontem bem sorridente a comentar na RTP. Ele
e todos os seus animados apoiantes no Fórum Lisboa. A tralha socrática correu
com quem lhes fez frente no Partido e estava sedenta de vingança e ansiosa por
regressar ao poder. E aí está. Com fulgor e entusiasmo. Pronta para
"mobilizar Portugal".
O problema, espero, é que agora, finalmente,
já não podem existir estados de graça a um homem que lidera Lisboa há sete anos
e que nada de novo tem para nos mostrar, a não ser uma gestão cinzenta,
esburacada, de trânsito difícil, excepto o fluvial, e que cumprindo a sua
palavra, deverá suspender o mandato pois, segundo o candidato socialista a
Primeiro-Ministro, liderar uma cidade como Lisboa exige total exclusividade,
curioso como esta expressão entrou em voga.
Será que tivemos mais dois vencedores na
noite de ontem? Não terá sido apenas Costa a celebrar. José Sócrates, que
regressou do exílio, e Fernando Medina, o futuro Presidente da Câmara de Lisboa
têm razões para festejar.
Cá estaremos para ver e perceber que
contributos teremos do novo Candidato a Primeiro-Ministro. Que Costa tem aura
isso é inegável. Mas não chega. É preciso falar. E explicar muito bem,
concretizando. Estou certo de que pode ter a tentação de seguir os exemplos de
todos os Primeiros-Ministros eleitos, repito, eleitos, desde Guterres e que
mentiram ou omitiram para lá chegar, mas penso que cheques em branco, com
coisas ocas como Agendas para a década não chegam para enganar ninguém.
Esperemos que encontre a sua agenda e, de caminho, algumas ideias dignas de
serem apresentadas.
Sócrates 2.0? Não obrigado. Já sabemos que a criatura é sempre pior que o criador..”.
Sócrates 2.0? Não obrigado. Já sabemos que a criatura é sempre pior que o criador..”.