Como te invejo meu caro Pedro por este texto, e quanto gostaria de ser eu escrevê-lo, tanto nele me revejo. Por isso não resisti, exactamente neste dia, a reproduzi-lo:
Meu Capitão
por Pedro Correia in Delito de Opinião
Salgueiro Maia fotografado por Eduardo Gageiro (Lisboa, 25 de Abril de 1974)
"Um verdadeiro herói nunca se considera
herói. Cumpre o seu dever não por ser um dever mas por urgente imperativo de
consciência. Dá o nome, a cara, o peito às balas e se for preciso a vida pela
causa que crê ser mais justa entre todas as causas.
Um verdadeiro herói pensa em si próprio só
depois de pensar nos outros. Avança sem temor com a noção exacta de que joga
tudo numa ínfima fracção de tempo -- conforto, carreira, promoções, anonimato.
Ficando a partir daí exposto ao escárnio imbecil de todos os cobardes --
aqueles que nunca dão um passo fora do perímetro de segurança mas quando a
poeira assenta logo surgem muito expeditos a julgar os outros. A julgar aqueles
como tu: os que arriscam, os que experimentam, os que se atrevem a romper as
malhas de um quotidiano medíocre. Os que trocam a palavra eu pela palavra nós.
Os que nunca se conformam.
Um verdadeiro herói é aquele que deixa a sua
impressão digital nas insondáveis rotas do destino humano. Tu ousaste mudar um
país. Não pelo sangue, não pelo ódio, não pela intriga -- mas pelo gesto, pelo
rasgo, pelo exemplo. Sabendo como é ténue a fronteira entre glória e drama
quando alguém irrompe de madrugada pronto a desafiar os guiões da História.
Foste um herói ao comandar a patrulha da
alvorada, Fernando Salgueiro Maia. Voltaste a ser um herói quando decidiste
retirar-te ao pôr-do-sol deixando outros pavonear-se sob o clarão dos
holofotes. Recusaste ficar exposto na vitrina. Recusaste servir de bandeira.
Recusaste ser "vanguarda revolucionária". Recusaste ser antigo
combatente. Recusaste dar pretextos para dividir. Tu que foste um poderoso
traço de união entre os portugueses naquelas horas irrepetíveis em que tudo
podia acontecer.
Saíste do palco: aquela peça já não te dizia
respeito.
- Eternamente graduado no posto de capitão da liberdade."
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