sexta-feira, 7 de março de 2014

Para o Luís no dia 7 de Março...


Tanto quanto me lembro, o dia 7 Março de 1965 amanheceu chuvoso, com uma daquelas chuvas miudinhas de molha parvos. Seriam por volta das 6 horas da manhã, e José Costa, depois de percorrer cerca de duas léguas entre o Pego Ferreiro e o Seiçal, na aba da serra de Marvão, batia à porta de Manuel Bugalhão. O motivo era relevante, já que desde o serão passado, a sua filha Maria, andava às voltas pela casa dizendo que estava com as “dores”. Às pancadas na porta de madeira, respondeu Manuel com um “qui é lá”, ou coisa que se pareça, ao que recebeu como resposta: é o compadre Zéi.

Não fez o Bugalhão qualquer movimento ou intento de sair da sua cama, pois tal, só estava previsto para uma hora mais tarde, quando tivesse que se levantar, beber o seu copo de café preto e a habitual fatia de pão com a tora de toucinho frito, e ir direito a casa do João Dias, para um dos últimos dias da “fega” de azeitona desse ano. A tarefa de abrir a porta, como de costume, estava reservada para a sua mulher Luísa, que para alguma coisa hão-de servir as mulheres, para além de nos parirem, e já agora outra série de coisas que não vêm agora ao caso.

Na minha cama de criança, no quarto ao lado, ouvi perfeitamente o recado de José Costa, que foi rápido, preciso e conciso: - Ó comadre, vinha buscá-la porque a Maria começou com “as dores”, e caso lhe desse jeito, vinha comigo, sempre pode ser preciso, porque não sabemos quanto tempo a coisa vai demorar. Tapei imediatamente a cabeça, para que a minha mãe pensasse que eu dormia, não fosse ela fazer-me levantar, logo de madrugada, para que a acompanhasse. Mas não, a função que a esperava para aquele dia não metia homens, quanto mais gaiatos, e o que a ouvi dizer para meu pai foi: - Tenho que ir com o compadre, a Maria está por horas. Quando te levantares, come, e dá o café ao gaiato, que eu não sei a que horas volto. E lá saiu apressada com o seu compadre, com uns farrapitos debaixo do braço, talvez um cueiro para a criança, que esperava que nascesse rija e valente, e que tudo corresse como deus havia programado.

Maria Joaquina, assim se chamava a filha de José Costa, embora este a tratasse sempre e só por Maria, havia-se ajuntado com o meu irmão Chico no Inverno de 1963, após este ter regressado de Angola onde andou dois anos na guerra. Foi num dia de “matança anual” do porco, com a família toda de volta do alguidar dos chouriços, que ele resolveu trazê-la do Pego Ferreiro para o Seiçal. Quando chegou a casa por volta das 10 horas da noite, disse para a minha mãe: - Ó mãe dá licenças que entrem dois? Ao que minha mãe respondeu, que se deixasse de brincadeiras, e se arrumasse a ajudar a encher os chouriços, que mais duas mãos não eram demais e ele tinha jeito para tudo. Mas eis que, surpreendentemente, a Maria, irrompeu pela casa, dizendo que quer a quisessem receber ou não, ela já ali estava, e seria ela mesma a ajudar na tarefa. E assim o disse, assim o fez, sentando-se junto das outras mulheres, mostrando ali os seus dotes de rapariga trabalhadora. O único reparo que recebeu foi da tia Júlia, que a repreendeu imediatamente: - Anda magana, vai ao menos lavar as mãos, que sabemos lá o que andaste para aí a fazer!

O fruto e consequências da alusão da tia Júlia não terão sido dessa noite, mas a coisa também não se fez esperar muito, já que, pouco mais de seis messes após a cena de encher os chouriços, Maria, haveria ela própria, de ficar cheia. E é por isso que, nessa madrugada de 7 de Março, um homem chamado José Costa, e uma mulher chamada Luísa Serra, caminharam na direcção do sítio chamado Pego Ferreiro, onde pelas 20 horas dessa noite, mais coisa menos coisa, o Luís, havia de ver pela primeira vez a luz da lua, quando sua avó materna Jacinta o levou à janela e o benzeu contra as bruxas e o quebranto...            

2 comentários:

zira disse...

Adorei.Imaginei tudo e senti-me bem.Uma crónica muito interesante que me fez lembrar SOEIRO PEREIRA GOMES nos ESTEIROS.

Luís Bugalhão disse...

Levei dias a pensar o que 'fazer com este texto'...
Começo pelos reparos:
1. deus não teve nada a ver com o assunto, como deves calcular, tendo em conta que não existe; e
2. o meu pai chamava-se, chama-se, Chico.

Agora a parte afectiva:
1. Estás cada vez melhor a mexer nos afectos, a escrever sobre eles;
2. Senti-me tão bem, mas tão bem com esta homenagem (em que sou apenas um personagem secundário, e bem), que fiquei sem palavras;
3. A descrição está fiel (tanto qt eu sei) e eloquente: as conversas, todos os que quero tanto (alguns já idos) e que me fizeram como sou, o vernáculo maravanense, a ti' Julha a prantar alguma sensatez, e realismo, para que a carne se não estragasse...
4. Teres-te dado ao prazer de homenageares o teu sobrinho vermelhusco, com um texto tão neo-realista mostra o quanto somos (os dois e o resto da famelga) gente do povo, gente deste país, genuínos, e isso, como tu sabes, enche-me de orgulho e de ternura por quem me fez assim, na dureza da vida e do amor;
5. Não mereço tanto (honesta e sinceramente), mas soube-me pela vida. É conversa de chacha, como diria o teu irmão Chico, mas é o verdadeiro elixir da nossa existência (logo a seguir a uma boa pinga de tinto).

Por isso JBugas, MUITO, MAS MUITO MESMO, OBRIGADO por estes parabéns. Fico-te a dever uma...

Para finalizar, espero que apareça algo mais profundo da tua pena. No retórica tens publicado tanta coisa gira, umas ficções misturadas com realidades e com o teu talento... não está na altura de 'aparecer' um rimance?

Fica bem e recebe um forte abraço.

o Luís da estória