sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Épicos da música portuguesa (12)


A noite passada acordei com o teu beijo, descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo. Vinhas numa barca que não vi passar, corri pela margem até à beira do mar, até que te vi num castelo de areia, cantavas:
- Sou gaivota e fui sereia.
Ri-me de ti: 
- Então porque não voas? 
E então tu olhaste, depois sorriste, abriste a janela e voaste!

A noite passada fui passear no mar, a viola irmã cuidou de me arrastar. Chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo, olhei para baixo, ias lá no fundo, faltou-me o pé, senti que me afundava. Por entre as algas teu cabelo bailava, a lua cheia escureceu nas águas e, então falámos, e, então dissemos:
- Aqui vivemos muitos anos.

A noite passada o paredão ruiu, pela fresta aberta o meu peito fugiu. Estava do outro lado a tricotar janelas, vias-me em segredo ao debruçar-te nelas. Cheguei-me a ti, disse baixinho:
- Olá. Toquei-te no ombro e a marca ficou lá. O sol inteiro caiu entre os montes e então tu olhaste, depois sorriste, disseste: 
- Ainda bem que voltaste...


1 comentário:

Helena Barreta disse...

Poema lindíssimo, como de resto todos os de Sérgio Godinho.

Bom fim de semana.

Um abraço