sábado, 24 de novembro de 2012

Leituras de fim-de semana...

Classificação Bugalhónica - *****

"Portugal está carente de mecanismos que permitam ultrapassar a crise"

(Entrvista de  Ricardo Arroja, autor do livro "As contas políticamente incorretas da economia portuguesa", ao Vida Económica, tirada daqui).

Vida Económica (VE) - No livro "As contas políticamente incorretas da economia portuguesa" analisa as causas da crise portuguesa. Quais são?


Ricardo Arroja (RA) - Não quis escrever um livro demasiado circunstancial, mas algo que combinasse os aspetos circunstanciais de um passado recente com uma perspetiva mais histórica e abrangente do país. Assim, o livro tem uma chamada histórica que vai até ao período do Marquês de Pombal, ou seja, períodos em que também atravessámos crises de balanças de pagamento.

VE - Que factos destaca dessa retrospetiva?

RA - Os elementos que me chamaram a atenção e que ajudam a explicar o momento em que nos encontramos são, em primeiro lugar, um problema crónico na balança comercial que faz com que, tradicionalmente, as nossas exportações não cubram as importações. Pior, nos momentos de maior abertura, sobretudo quando tivemos riquezas externas, como o comércio das Índias, o ouro do Brasil ou os fundos de coesão da União Europeia (UE), os défices agravaram-se.

De certo modo, abdicámos de ter estrutura produtiva interna na agricultura, nas pescas e na indústria, o que nos levou a estar mais dependentes da produção estrangeira e redundou nesta crise de pagamentos que temos. Um segundo elemento diz respeito aos desvios orçamentais e à dívida do Estado. Em Portugal, nos últimos 40 anos, temos tido uma série consecutiva de maus processos orçamentais que levam a que as contas públicas estejam permanentemente deficitárias. É extraordinário que o último ano de contas públicas excedentárias seja anterior ao 25 de Abril. Naturalmente que a dívida pública cresceu imenso. Naquela altura, rondava os 15% do PIB, hoje está estimada em 120% do PIB.

Outro traço característico da nossa economia é que, sempre que houve uma descentralização financeira do Estado, houve um descontrolo das contas públicas. Isso é visível nas últimas três décadas, mas já não é de agora, de resto foi o Marquês de Pombal que criou o Tesouro Geral em 1761. É curioso que uma das medidas criadas pelo Governo e pela "troika" para controlar as finanças públicas é precisamente a centralização da vida financeira na figura do ministro das Finanças. Em suma, os dois traços principais que identifiquei são uma tendência, sobretudo, em momentos em que recebemos riqueza externa, para abdicarmos de estrutura produtiva interna e importarmos consumo; e uma tendência para o descontrolo orçamental sempre que há descentralização financeira do Estado.

VE - Concorda com a centralização financeira do Estado?

RA - Eu estou de acordo com a centralização financeira do Estado. O que se verifica também, é que este é um país com uma tradição de descentralização administrativa, a comunidade local tem um peso importante em Portugal. Os dois conceitos não são contraditórios. É possível ter uma centralização financeira do Estado, permitindo ao mesmo tempo uma descentralização administrativa do Estado. Como proponho no livro, isto resolver-se-ia se todos os impostos fossem centralizados no Ministério das Finanças e que a sua redistribuição pudesse ser feita para as regiões em função do PIB per capita de cada região. Isso permitiria um controlo das contas públicas ao mesmo tempo de um efeito de redistribuição que beneficiaria quem menos tem.

VE - Em relação à balança de pagamentos, qual o desafio?

RA - Existe hoje em Portugal a ideia de que as exportações serão a panaceia da economia. O que concluí na análise histórica é que, sempre que houve crise de pagamentos - e os períodos que mais se assemelham ao atual são o de Marquês de Pombal e o do fim da Primeira República -, existiu uma política de substituição de importações. Ou seja, as exportações são importantes, mas tem sido primeiro pela via da substituição de importações e só depois pelo fomento das exportações que problemas como este têm sido resolvidos.

VE - Um pouco o contrário do que tem sido feito no presente. Que avaliação faz da estratégia seguida pelo Governo?


RA - O problema é que hoje não temos instrumentos macroeconómicos. Não temos política monetária e temos a questão de o mercado único europeu obrigar à livre circulação de bens e serviços. O mercado único é uma das coisas boas da integração europeia - não está em causa -, mas neste período, em que precisamos de estimular a substituição de importações, é um obstáculo, pois, no limite, precisaríamos de impor barreiras aduaneiras. Portugal está carente de mecanismos que permitam ultrapassar a crise.

VE - Esse facto vai impedir ou, pelo menos, prolongar a recuperação?

RA - O programa da "troika" tem uma série de reformas estruturais da economia, como a flexibilização do mercado laboral, uma maior concorrência interna, a redução das rendas, entre outras, que são essenciais para aumentar a baixa competitividade da economia portuguesa. Aquele que me parece o caminho mais equilibrado é dar indicações à "troika" que todas as reformas vão ser feitas, mas, ao mesmo tempo, solicitar aos credores externos que permitam uma válvula de escape: um mecanismo, provavelmente de natureza fiscal, que permita dar prioridade ao investimento que é feito em Portugal.

Não está em causa a origem do capital, seria todo bem-vindo. Isso iria permitir uma dinâmica de crescimento ao mesmo tempo que se implementam as reformas estruturais e a austeridade orçamental, absolutamente essenciais. Tudo isto tem de ser negociado no quadro europeu. Se é possível ou não, cabe aos políticos aferirem. Sem este compromisso, receio que tudo o que nos vai sobrar vai ser a espiral recessiva.

VE - Vê vontade política na UE para haver essa válvula de escape?

RA - A situação na Grécia está perto da rutura e já se fala em novo "haircut". [Tanto a grega como a portuguesa] são economias cuja estrutura produtiva é muito menos competitiva que os parceiros europeus e que destruíram a capacidade produtiva nos últimos anos. A nossa produção agrícola baixou, em certos domínios, para metade, as nossas pescas baixaram para metade, a indústria desapareceu. Tudo aquilo que era a estrutura produtiva portuguesa entrou em colapso. Porquê? Porque recebemos fundos da UE para nos modernizarmos e, no processo, fomos importando tudo o que a Europa produzia.

Neste momento, precisamos de voltar a produzir cá dentro. Enquanto durarem os programas de austeridade, é do interesse da UE permitir que exista uma válvula de escape, um mecanismo que permita tornar atraente do ponto de vista fiscal o investimento nos países mais afetados, para promover o investimento, o emprego e o crescimento, contrabalançando o efeito recessivo da austeridade.

Caso contrário, só há duas alternativas, ou avançamos para uma federação europeia - o que, à luz da história, é uma utopia - ou esta desigualdade entre os países da periferias e os países do centro vão agravar-se. Nesse cenário, as consequências políticas e sociais são imprevisíveis e por isso é que eu digo que é do interesse da UE que os países tenham essa válvula de escape.

VE - Posso concluir das suas palavras que, no estado em que a UE está, ou avança para um federalismo, que considera utópico, ou regride para uma menor integração?

RA - No livro faço justamente essa questão. A UE, nomeadamente a Zona Euro, está perante um dilema: ou moeda única ou mercado único. Os dois são, neste momento, incompatíveis para Portugal, para a Grécia e, eventualmente, para a própria Espanha, pois falta a tal válvula de escape.

Em Portugal, a nossa produção por hora são 17 euros, a média europeia é acima de 30 euros e no Luxemburgo esse valor é de mais de 60 euros.

Quando as diferenças são desta ordem, não poderemos competir de igual para igual. Dir-se-á, vamos fazer reestruturações e apostar na educação. Façamo-lo, mas isso demora tempo. Entretanto, no curto prazo, o desemprego aumenta, temos recessão, falências, pelo que é preciso encontrar um equilíbrio. Este equilíbrio virá de menor integração ou IRC mais baixo ou barreiras aduaneiras ou mecanismos que permitam esses países saírem temporariamente da moeda única.

VE - Concordaria com uma saída negociada de Portugal do euro?

RA - Creio que os portugueses gostam do euro. Não vejo neste momento condições reunidas para, por nossa vontade, sairmos do euro. Acho, contudo, que, se a avenida for esta, mais dia, menos dia, vamos ficar mais sensibilizados para soluções de rutura como essa. Uma saída negociada teria de envolver uma redenominação da nossa dívida em escudos. Essa medida permitir-nos-ia, no curto prazo, reganhar competitividade e estimular a substituição de importações.

No entanto, essa política teria de ser muito bem pensada, pois facilmente se poderia cair na tentação de fabricar dinheiro, que, se não for controlado, resulta em inflação. Daí que, neste debate entre moeda única ou mercado único, considero que seria menos turbulento e mais sustentável que pudéssemos sair temporariamente do mercado único ou termos medidas que replicassem isso.

Os valores da dívida são assombrosos. Pelas minhas contas, a dívida oficial é de 120% do PIB, mas se a isso somarmos o endividamento do setor empresarial do Estado, os encargos com PPP e os pagamentos atrasados do Estado, vamos para 170% do PIB, o que dá a cada cidadão português 30 mil euros só à conta das dívidas do Estado (sem as dívidas pessoais).

E se afunilarmos o campo de análise e tomarmos apenas em linha de conta só os cidadãos em idade ativa, então aí a dívida sobe para 55 mil euros por cidadão (sem as dívidas pessoais). Sem crescimento, isto é impagável, pelo que alguma coisa tem de ser feita. A negociação honrada de que fala o Dr. Miguel Cadilhe vai ser, certamente, o caminho a seguir.

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