(Leitura obrigatória para os marvanenses. Para não dizerem que não sabiam de nada)
Esta semana acompanhei com alguma atenção e curiosidade, o debate que se gerou na Assembleia Municipal de Marvão, acerca da aquisição de grandes áreas de terrenos no concelho, por empresas estrangeiras, que ninguém conhece por aquelas bandas. Logo que esses terrenos vão sendo adquiridos, os seus novos proprietários constroem altas vedações de arame, como se de campos militares se tratassem, onde nada entra ou sai. Têm chegado ao ponto de obstruir caminhos (possivelmente públicos), calçadas medievais e até algumas linhas de água.
Este debate revelou-se
tênue, pouco esclarecedor e espero que não seja apenas mais uma acção de pré-campanha,
das eleições que se aproximam. No entanto, congratulo-me, pela primeira vez este
processo ter merecido a atenção por parte de alguns Membros dessa Assembleia.
Nos 15 anos que
este processo leva de desenvolvimento, ali foram investidos por parte dessas
empresas alguns milhões de euros, nomeadamente na construção dessas cercas,
quer as de arame quer os largos quilómetros de muros em pedra. Estimo que essas
empresas, actualmente, já tenham adquirido cerca de 10% da área total do
concelho.
Apesar das
poucas informações fornecidas por essas empresas e pelo poder político local e
nacional, o que nos querem fazer crer é que o fundamento desses investimentos neste terrenos,
serão para o desenvolvimento de projectos na área agrícola e florestal, alguma
fauna exótica, e a construção de infra estruturas para a prática de desporto
aventura (???).
No entanto, na
área onde estes terrenos se situam, existem estudos feitos por universidades
portuguesas no início deste século (como pode ver aqui), que revelam que ali se
encontram alguns dos minerais mais procurados em todo o mundo, denominados “terras raras”. Neste caso é o Ítrio,
um dos componentes do Xenótimo. Esses estudos revelaram que, em Portugal, é na
freguesia de Santo António das Areias, que a existência dessa substância é mais
frequente.
Sabendo nós que
a existência destes materiais não tem fronteiras físicas entre países, o que sempre
me intrigou, era se este fenómeno, não atravessaria o rio Sever e não se
estenderia por terras do reino de Espanha.
Ora esta semana, através de uma amiga, chegou-me provavelmente a resposta. Num artigo publicado do outro lado da fronteira, acompanhado de um mapa, onde se mostra as zonas espanholas onde existem esses materiais. E onde podemos verificar que, adjacente ao concelho de Marvão, essas zonas que contêm as “terras raras” também existem do outro lado da fronteira.
Figura
1 - Terras raras na Espanha (Carlos Gamez)
Para
conhecimento do que se está a passar por Espanha, deixo aqui o artigo completo
(com tradução minha, que poderá não ser grande coisa), e o link para quem
quiser ler em castelhano.
Respostas aos prós e contras do projeto de “terras raras” em Espanha, que pode ser "um dos mais ricos do mundo".
por JUAN MARTINEZ – NOTÍCIAS 26/02/2021
- A riqueza
oculta da Espanha que pode posicionar-nos como uma potência tecnológica e
automotiva.
- As consequências
para a tecnologia se a China cortar exportação de terras raras: o preço dos
smartphones pode subir?
- A China abana
a economia global e ameaça limitar a exportação de terras raras: o que são e
por que são "cruciais"?
Nos últimos anos, a preocupação com as terras raras cresceu na Europa: 17 elementos minerais amplamente usados na indústria de tecnologia e energia renovável (são usados para fabricar de tudo, desde telefones celulares a carros elétricos e turbinas eólicas). A UE identificou-os, junto com outros elementos como o lítio, como "materiais críticos" e promoveu sua busca em solo europeu.
Figura 2 - Utilização das Terras Raras
1 - Que consequências para a tecnologia se
a China cortar terras raras: o preço dos smartphones pode subir?
O principal
fornecedor mundial é a China. Um artigo na semana passada no Financial Times
deu alarme ao revelar que o gigante asiático estava considerando reduzir a
exportação de terras raras novamente, como havia feito na década anterior. Uma
redução que pode afetar a indústria de tecnologia e que Pequim pode usar como
arma em sua guerra comercial com os Estados Unidos.
Os especialistas consideram que a Espanha tem potencial nesses materiais. Na verdade, Ciudad Real mostrou que até agora era o único projeto no continente para extrair terras raras. Um projeto que foi interrompido pela Justiça por questões ambientais.
2 - "Apenas um no mundo"
O projeto Matamula fica em uma área da região de Campos de Montiel, em Ciudad Real, entre os municípios de Torrenueva e Torre de Juan Abad, explica Enrique Burkhalter, diretor de projetos da Quantum, empresa que o promove, a 20 minutos de distância.
Figura 3 - Área quase definitiva para o projeto de terras raras do Campo de Montiel depois que o recurso da empresa foi negado
São 240 hectares que são atualmente terras agrícolas, sob as quais existe uma "jazida muito rica" em monazita (um fosfato), cujas análises revelaram ter altas percentagens de praseodímio e neodímio, dois elementos magnéticos de terras raras que são utilizados, entre outros, na fabricação de ímãs para carros elétricos e turbinas eólicas.
“Tem 30% de praseodímio e neodímio, o que é
uma coisa muito rara, geralmente são 8% ou 10%””, diz Burkhalter. ”Este seria um dos depósitos mais ricos do
mundo em praseodímio e neodímio".
Afirma ainda que
o projeto “poderá suprir sem problemas as
necessidades europeias de hoje, e cerca de 50% das necessidades previstas para
2030”.
3 - Mineração de transferência - A China abana a economia global e ameaça limitar as terras raras: o que são e por que são "cruciais"?
Após três anos
de pesquisas na área, a Quantum
decidiu solicitar a concessão da exploração em Matamula. A extração era para
ser feita na superfície, com uma técnica chamada “transfer mining”, que não envolve o uso de explosivos.
“Há um pacote de terra e areia que tem
concentrações de quatro ou cinco quilos de monazita por metro cúbico”,
explica o geólogo. "É muito fácil de
extrair porque tem apenas dois metros de terra, é como se estivesse cavando uma
piscina."
“Você remove a camada superficial do solo
para empilhá-lo e recolocá-lo depois, com uma simples retroescavadeira”,
acrescenta. “Você simplesmente escava e
leva o material para uma fábrica por meio de camiões ou correias
transportadoras, você peneira com água e com métodos físicos em espirais,
separa-se a parte densa, que tem a monazita, da não densa, e volta a terra,
porque você tem quase o suficiente sobra quase tudo. Você retém cinco quilos e
devolve 995".
Burkhalter
garante que com essa técnica o solo permaneçe nas mesmas condições de antes. Acrescenta
que a exploração dos 240 hectares seria feita em 10 anos à taxa de 24 por ano,
e que nunca haveria mais de dois hectares abertos.
4 - Projeto negado
O representante
da Quantum garante que a empresa fez
um estudo exaustivo de impacto ambiental para garantir que a extração não
afetaria o meio ambiente na área de exploração, que se situa entre duas áreas
protegidas pela Rede Natura 2000, a rede ecológica europeia de proteção da
biodiversidade.
No entanto, as
autoridades da Junta de Castilla – la Mancha negaram a licença de exploração no
final de 2017. Decisão da qual a empresa recorreu, mas que foi confirmada pelo
Superior Tribunal de Justiça daquela comunidade autônoma em sentença divulgada
este mês.
As duas
instâncias indicam que em suas decisões o projeto iria afetar a biodiversidade
da área. Ressaltam que, embora a exploração da Matamula fosse ocorrer fora da
área da Rede Natura, ela está localizada num enclave que funciona como um
corredor ecológico para espécies de habitat.
“O projeto afetaria significativamente um
espaço da Rede Natural 2000, e implicaria na fragmentação da conectividade
ecológica dos núcleos da ZEPA [zona especial de proteção para aves],
constituindo um obstáculo ao movimento das aves estepárias e demais faunas
presentes neles”.
5 - Proteção ecológica
Este argumento
do corredor ecológico também foi apresentado por outras organizações locais (uma
comercial e outra agrícola) que apareceram como co-réus no recurso perante o
tribunal, e que foram assessoradas pela Ecologis Ecologistas em Ação.
Elena Solís, coordenadora nacional de
mineração da entidade ambientalista, afirma que naquela área de Ciudad Real
havia até 10 projetos de mineração de terras raras em estudo, mas que várias
empresas desistiram devido às denúncias apresentadas pelos Ecologistas en
Acción. De momento, apenas o de Matamula veio solicitar a concessão da
exploração.
Além da
biodiversidade, destaca Solís, a
região possui uma riqueza agrícola, evidenciada pela denominação de origem do
vinho Valdepeñas e dos queijos Manchego. “Tiveram
que chumbar [o projeto Matamula] porque além da riqueza agrícola, tinha toda a
Rede Natura. Aqui é a reserva do lince, e tem uma série de cifras de proteção
aos pássaros”.
6 - Movimento de terras
Solís também rejeita a explicação da
empresa sobre a remoção de terras. Ressalva que devolver o terreno à sua
localização original não iria deixá-lo do mesmo jeito.
“Os donos das terras afetadas não pensaram
de forma alguma que fosse viável estacionar todas as safras e depois
devolvê-las”, indica, “e que a terra que iam devolver seria aquela que estava no
início, claramente não foi. Se assim for, essa terra é processada e
destilada".
Além disso, ela
estima que esse movimento de terras também causaria poluição do ar e deixaria
resíduos como água ácida, que são muito difíceis de administrar.
“Neste momento as comunidades autônomas não
sabem o que fazer com as águas ácidas que existem na Espanha, porque não podem
se livrar delas”.
A este respeito,
Burkhalter negou que a exploração
planeada pudesse gerar águas ácidas: "A
monazita é um fosfato e, portanto, insolúvel em água, os ácidos não podem ser
gerados em nenhuma parte do processo de concentração."
Não é o único
ponto em que as versões da empresa e dos ambientalistas diferem. Burkhalter reclama que, embora um dos
argumentos das autoridades fosse a proteção dos pássaros (a águia imperial mora
na área) há um campo de aviação próximo, que ele considera mais prejudicial
para essas espécies.
O representante
da Quantum indica que o estudo de
impacto ambiental realizado pela empresa ("o
mais completo que se fez em Castilla-La Mancha até agora") teve cerca
de mil páginas, e que a resposta das autoridades foi de apenas 25 folhas. No
entanto, a decisão considera que a Diretoria demonstrou
"exaustivamente" os motivos da negação da concessão.
Burkhalter acredita que projectos como
o de Matamula (onde está previsto um investimento de 60 milhões de euros) devem
ser "do interesse geral de Espanha”,
porque representam uma opção para não continuar a importar estes elementos da
China.
A empresa
recorreu da decisão perante o Supremo Tribunal Federal, onde o geólogo acredita
que obterá decisão favorável, por se tratar de um projeto "totalmente transparente" e por ter um "impacto ambiental compatível com o
meio ambiente".
No entanto,
espera-se que a resolução chegue em cerca de três anos. “Daqui a três anos vamos chorar porque esse projeto que ainda não
começou”, diz o geólogo.
8 - "A Espanha e a UE estão
erradas"
Pelo contrário, Solís considera que tanto os Governos
espanhóis como a União Europeia estão "absolutamente"
errados ao promover a procura de terras raras no continente, e que o argumento
de que "temos de explorá-lo aqui na
Europa se não, a China vai rentabilizá-lo".
“A UE engana-se, em vez de neodímio para
ímãs na energia eólica, deve-se pensar em produtos ferrosos, e existem muitos
mais”, e ressalta. “Ficou demonstrado
que existe a possibilidade de substituir esses materiais, que são recursos não
renováveis, por outros um pouco mais renováveis. Mas a UE e a Espanha não estão
investigando o suficiente na substituição”.
A China
continuará a ser o principal fornecedor de terras raras e este projeto não iria
contribuir com praticamente nada.
O representante dos Ecologistas en Acción afirma que tanto Matamula como outros projetos na Espanha mostraram uma baixa concentração de elementos de terras raras. "Essa baixa concentração significa que este projeto não iria contribuir, ao contrário do que dizem muitos jornais, de forma muito significativa na quantidade de neodímio que é importado da China."
“A China continuará sendo o gigante, o
principal fornecedor de terras raras, e esse projeto não iria contribuir com
praticamente nada”, acrescenta. "Quando
obtivemos alguns gramas de terras raras aqui, novos projetos não vão parar de
se abrir globalmente."
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1 comentário:
Muito grata pela sua preocupação sobre este assunto. Devo dizer lhe que partilho a mesma preocupação especialmente sempre que acompanhando Marvão pelo ggmaps. É claramente visível a vasta área e de que terrenos se tratam (incluindo a própria encosta do castelo) visto estarem a transformar completamente a paisagem das pedras já á escala de satelite. Como o parque natural pode justificar isto,eu não sei! Tenho tb lido acerca do processo quimico de minagem de terras raras e é extremamente poluente. Adriana
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