quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Coisas muito feias (3)


Nota prévia: Todos os documentos aqui referidos são públicos e qualquer pessoa os pode consultar.

Acabo de ler na Acta da última Reunião de Câmara Municipal de Marvão, realizada a 17 de Fevereiro de 2014, que o senhor Presidente da Câmara, quando questionado pelo senhor Vereador Carlos Castelinho sobre as noticias vinculadas na comunicação social sobre as buscas da Polícia Judiciária à CM de Marvão, prestou o seguinte esclarecimento:

“O Sr. Presidente prestou os devidos esclarecimentos, referindo que a intervenção se prendeu com a rectificação de uma ata que foi realizada de modo incorrecto pelo que levantou a suspeita de falsificação de documentos. O assunto em causa prendia-se com um contrato de concessão, durante o anterior mandato, para o Centro de Lazer da Portagem que acabou por ser adjudicado ao Sr. Hélder Pires, irmão do Sr. Vereador José Manuel Pires. O ato foi realizado de boa-fé e já tinham sido prestados esclarecimentos ao tribunal e as dúvidas do tribunal eram do conhecimento da Câmara vigente. Nesta intervenção da PJ alguns funcionários da câmara municipal foram ouvidos, alguns documentos recolhidos e computadores averiguados.”

Perante mais este “esclarecimento”, questiono-me, sobre qual a razão para que o senhor Presidente continue a não dizer a verdade aos marvanenses, nem aos seus Órgãos próprios, como é o caso da Câmara Municipal. Senão vejamos alguns factos:

1 – O senhor Presidente sabe perfeitamente que o Contrato de Concessão não foi adjudicado ao Sr. Hélder Pires, mas sim à Empresa Sabores do Norte Alentejano – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª, como se pode ver neste estrato da Acta 9/2012, de Reunião de Câmara de 17/5/2012:

“CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DO RESTAURANTE DO CENTRO DE LAZER DA PORTAGEM ----------------------------------------------------------------------------------------
Sobre este assunto foi presente a seguinte informação do Chefe de Divisão Administrativa: --------------------------------------------------------------------------------------
“Conforme despacho de V. Ex.ª datado 19 março do corrente ano, a D.ª Maria Marcelina Maroco Machado, foi notificada no mesmo dia para informar se estava interessada em assumir a cessão de exploração acima referida, tendo informado por correio eletrónico datado de 26, que não estava interessada. ------------------------
Dado que em 4.º lugar e ultimo se encontrava classificada a empresa Sabores do Norte Alentejano – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª, com sede na Portagem, foi a mesma notificada através do oficio n.º 645 datado de 26 de março, para informar a Câmara Municipal, se estava interessada em assumir a referida cessão de exploração tendo a mesma informado que sim, caso o contrato tivesse a validade de dois anos, com pelo menos mais um de opção. --------------------------------------------------------------
Em face do exposto venho propor a V.Ex.ª que o assunto seja submetido a deliberação da Câmara Municipal.
Á consideração de V. Ex.ª.” -----------------------------------------------------------------------
Despacho do Sr. Presidente: “Visto. Concordo. À Câmara Municipal.” ------------------
A Câmara Municipal deliberou por maioria proceder à adjudicação da cessão de exploração à empresa Sabores do Norte Alentejano – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª, com sede na Portagem, e solicitar-lhe os documentos para a celebração do respetivo contrato. ----------------------------------------------------------------------------------
Não participou na votação o Sr. Vereador, Dr. José Manuel Ramilo Pires, por fazer parte da empresa e estar impedido de acordo com o estabelecido na alínea a) do nº 1 do artigo 44º do CPA, tendo-se ausentado da sala eram 12h. Regressou à reunião eram 12h15m.”

2 – O senhor Presidente sabe (ou deveria saber) que esta Empresa não é do Sr. Hélder Pires, mas sim de uma sociedade em que o senhor Vereador José Manuel Pires é Gerente (por isso ele não pode participar ou votar (?) a decisão na Reunião de Câmara), em conjunto com o seu irmão e mãe. Esta situação é, e sempre foi, do conhecimento de todos os Órgãos Autárquicos, pois o senhor Vereador sempre informou, como se pode ver nos 2 Documentos que em baixo publico (Figura 1), um de 2009 e outro de 2013, onde se refere perfeitamente esta situação.

Figura 1 - Informação do Vereador sobre as Empresas de que era gerente em 2009 e 2013



3 – É de facto muito estranho que o senhor Presidente continue a afirmar que a Concessão foi feita a Hélder Pires, e também que o senhor Vereador José Manuel Pires não assuma que ele era Gerente dessa mesma Empresa com uma Quota de 25% (e pelos vistos não informou o seu Presidente). E quando tal se verifica, estas Empresas ficam impedidas de concorrer a Concursos dessa Instituição (quanto mais ganhá-los), de acordo com o Estatuto dos Eleitos Locais e pela Lei do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos que estipula: 

"(...)as empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10%, por um titular de órgão de soberania ou titular de cargo político, ou por alto cargo público, estão impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas públicas, conforme o estipulado no Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, no nº 1 do artigo 8º." 

4 – O senhor presidente continua empenhado em fazer crer, que o que está em causa, são pequenas ”incorrecções” de uma Acta! Possivelmente, o problema é mesmo a ACTA, mas o seu conteúdo, não a sua redacção. Senhor Presidente há mais Leis para além do Código de Procedimento Administrativo!

5 – Entretanto, e como é público (todos os Órgãos Autárquicos ficaram a saber na última Assembleia Municipal), em 2013 o Executivo Camarário liderado por Vítor Frutuoso, voltou a cometer uma ilicitude idêntica, ao adjudicar por “administração directa” (por despacho da responsabilidade de poderes do Presidente), a Obra de Construção do Depósito de Abastecimento de Água do Vale de Ródão a outra Empresa do Vereador José Manuel Pires: A Buscanível Lda., como se pode ver na Figura 2. Será que aqui também foi uma “incorrecção de acta”? Ou um caso idêntico à de Concessão do Restaurante do Centro de Lazer, por desconhecimento completo da lei? E/ou falta de lealdade entre os membros do Executivo? 

 Figura 2- Relatório das Obras em Curso em Novembro de 2013

6 – Nisto tudo, e talvez a situação mais grave, é estar a tentar-se responsabilizar os Funcionários da Câmara Municipal de Marvão por esta situação, desviando a água do capote, e não se assumindo as responsabilidades próprias do Executivo que tomou as decisões. Se responsabilidades há dos Funcionários, elas são decorrentes da irresponsabilidade do Executivo por não providenciar uma assessoria jurídica adequada, e por não ter um Técnico dessa área. Sendo, certamente, a única Autarquia do país que não tem um Jurista (quem faz os pareceres jurídicos, é um mero “curioso administrativo” avençado).Em contrapartida prefere ter um Assessor para andar a fazer de "manageiro", a distribuir simpatia para angariação de votos.

7 – Quanto à Oposição política, o senhor Vereador Carlos Castelinho deveria ter-se informado e documentado mais a fundo sobre a situação, e deveria ter confrontado o Executivo com dados concretos, mas parece que o não fez. Se o fizesse, certamente, teria obtido outro esclarecimento, e a verdade estaria mais próxima. Esperemos que amanhã a Assembleia Municipal o faça.

Até lá resta-nos esperar pelo Processo da Justiça. Mas com o seu funcionamento, poderemos esperar sentados, ou talvez não....

A ver vamos. Como diz o cego!

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