quarta-feira, 19 de setembro de 2012

As iludências, às vezes aparudem...


“Ele há por aí uns coveiros tão eficazes, tão eficazes, que pedem a ajuda para abrir as covas, àqueles que nelas se irão enterrar...”

Penso que, se outro mérito este Governo não vier a ter, o facto de ter vindo a consciencializar a maioria dos portugueses, de que a política económico-financeira que vinha sendo seguida nas últimas duas décadas (pelo menos), não poderia continuar, e teria que ser no mínimo contida,ou até mesmo invertida.

De uma forma muito simplista, já expliquei aqui, o problema geral. Um país que:

- Consome mais do que produz de uma forma continuada;

- Em que o sector estado gasta 50% da sua produção;

- Recebeu de fundos comunitários (a fundos perdidos), nos últimos 20 anos, milhares de milhões de escudos e euros, para modernizar a sua economia; e os gastou, sobretudo em alcatrão, imobiliário, rotundas, carros de luxo; esquecendo a agricultura, o mar e a indústria;

- Mesmo assim se endivida a uma média de 5%, nos últimos 40 anos; e uma média de 10% nos últimos 6 anos;

- Em 30 anos precisa de pedir ajuda externa por 3 vezes: 1977, 1983 e 2011.

- Tem uma democracia paupérrima, sem quaisquer meios de controlo dos eleitos pelos eleitores; considerado o 3º mais corrupto da Europa;

- Os eleitores preferem ser enganados nas campanhas eleitorais, já que, se algum Partido ousasse dizer a verdade, jamais seria eleito.

É certamente um país a precisar de mudar de vida.

Uma das medidas consideradas fundamentais, exigidas pela Troika e aceite por quem assinou o acordo, era a de se diminuir “despesa no estado” (o tal que leva 50% do que produzimos), sobretudo a supérflua, “as tais gorduras”, a que permitiria diminuir custos, com o menor prejuízo das pessoas.

O primeiro problema é que das “gorduras” vive muita gente (pessoas), e não são propriamente os “mais fracos”. E mesmo que se levasse a sério esta medida, seriam precisos, em minha opinião, pelo menos 4 ou 5 anos para se verem os resultados.

Ora a exigência era que fosse de imediato. Para quem está de fora (a Troika), quer lá saber a quem se corta. O importante é que se atinja o objectivo estabelecido (que se corte).

Que fez então o Governo? O costume: Lançou mão do aumento de impostos, os de resultados mais imediatos: IVA; e para fazer face a um “buraco” que disseram encontrar dos seus antecessores, vai ½ subsídio de Natal em 2011.

E como a malta não fez grandes ondas, e malhar na função pública está na moda, nada melhor que multiplicar por 4, não pagar 2 meses em 2012, e dizer que se “diminuiu a despesa” do Estado em Portugal! E quanto às tais “gorduras”, lá se foram esquecendo, que os ministros comem muito queijo.

Só que às vezes, sem se saber muito bem porquê, existem Instituições em Portugal que gostam de complicar. Foi o caso do Tribunal Constitucional, que se lembrou de dizer, que o dito corte, era inconstitucional, e entornou o caldo todo, e, pôs o Governo á nora.

Foi aí que o Gaspar pensou ser "criativo":

- Ora se o que eu pretendo é sacar o quantitativo de 2 meses aos trabalhadores do Estado, cujo patrão sou eu, mas não lhos posso tirar só a eles, vou tirar a todos, estado e privados. Aos privados, os patrões que se decidam: fiquem com eles, ou devolvam; desde que na Segurança Social entre o mesmo. Eu, enquanto “patrão estado”, vou ficar com a “massa” dos meus, isto é, não lhes vou pagar! E assim, diminuir a dita despesa do estado naquilo que já tinha previsto anteriormente.

E assim surge o imbróglio da TSU (1 subsídio). O resto virá por acerto no IRS.

Só que existem por aí uns fregueses, que com nada se contentam, e logo vieram reclamar que esta medida é um ROUBO (e naturalmente é). E vai de convocarem, sem excepção, toda a freguesia para reclamar: - Que por aí não, que o povo não aguenta mais e, “o povo unido nunca será vencido”.

E foram tantos, que o Governo se assustou, e alguns “ratos” vieram logo pôr o focinho de fora, para ver se o tempo estava propício para abandonarem o barco: parece que ainda não estava!

Está agora o Governo com a “batata quente” entre mãos, mas tenho a certeza, que como de costume, quem se lixa vai ser o mexilhão. Em minha opinião, vão optar por uma de duas medidas:

- Ou existe a coragem de descontar 7% a todos (embora ao Gaspar só os FP interesse); e toda a gente que trabalha vai sentir;

- Ou no próximo ano, os Funcionários Contratados na Função Pública não verão os Contratos renovados, e irão a caminho da rua. Aí, só esses cerca de 80 000 o sentirão.

Consta que uma delas será aplicada, e os tais da Troika, não perdoam. Até parece que as verbas dispendidas pelo Estado nestas duas rubricas, são muito idênticas.

Não me admira por isso, que muitos dos bem-intencionados Manifestantes do dia 15/9/2012, tenham sido alguns daqueles que virão a ser as grandes vítimas dos argumentos e slogans gritados no último sábado. E mais não digo, para não ser socialmente incorrecto, mas tem a ver com o pensamento que expresso, no início deste artigo...

Eu enquanto cidadão, se tiver que ser, e me dessem a escolher, preferia a primeira. Parece ser mais solidária e até altruísta: Manter algum emprego, e não aumentar o já insuportável e injusto desemprego.

Oxalá eu esteja enganado...

1 comentário:

João, disse...

Parece que não sou só eu, nem os neo-liberais. E este até foi há pouco tempo candidato a líder do PS!

«Diante das gigantescas manifestações, que merecem o nosso respeito, é essencial que não cedamos à tentação da anulação do pensamento crítico. A rua, em democracia, deve ser respeitada e ouvida, mas estão profundamente equivocados aqueles que, por cegueira ou oportunismo, entendem que ela deve ser linearmente seguida. Talvez não seja muito popular afirmar isto nas presentes circunstâncias, mas há alturas em que é preciso saber correr o risco da incompreensão.»

Francisco Assis, no Público