quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Reflexões sobre saúde: O mito dos 1 500 utentes por médico

Com o tema de hoje – O mito dos 1 500 utentes por médico, termino a trilogia de ideias que aqui elegi para melhorar os cuidados de saúde no distrito de Portalegre. Relembro que os dois anteriores foram: Reaproveitamento dos Enfermeiros nos Cuidados de Saúde Primários e Deixar as Urgências para o que é urgente.


Quando se começou a pensar na criação do “médico de família” no SNS, de acordo com alguns estudos da época, convencionou-se que a quantidade ideal de utentes por cada médico em CSP seria o de 1 500.

Muitas coisas mudaram desde então: os problemas de saúde, as estruturas etárias, as ocupações das pessoas, as tecnologias, os sistemas de informação, a experiência dos profissionais, os fármacos, etc., etc. Mas este número, com pequenas nuances, lá se foi mantendo. E só tem sido aceite a sua negociação, pelos médicos, a troco de dinheiro, como é o caso nas actuais Unidades de Saúde Familiar.

Não irei discutir se esse número é pouco ou é muito, aceito que seja uma base, e da minha experiência de 30 anos de trabalho na área, parece-me um bom número para quando um clínico inicia a prestação de cuidados com uma determinada “lista” de utentes. Já tenho uma certa dificuldade em aceitar, que após algum tempo de trabalho com esses utentes e o seu respectivo conhecimento e quando eles são praticamente os mesmos, com pequenas mobilidades, esse número “mítico” se mantenha nem que seja 10 ou 20 anos depois.

Se eu for fazer um determinado percurso num terreno que não conheça, possivelmente, nas primeiras vezes o tempo que gasto em o percorrer será X, mas a partir do momento em que conheça as subidas e as descidas, as curvas e contra-curvas, os obstáculos naturais e outros, ao fim de algumas caminhadas, certamente, reduzirei o tempo gasto, e, se dispuser do mesmo tempo diariamente, seguramente, posso aumentar o espaço percorrido.

Logo, o que deveria acontecer era quando um clínico inicia-se trabalho com uma nova “lista” de utentes a base deveria ser a dos 1 500; mas depois, anualmente, esse número deveria ser aumentado de 100 utentes, até ao máximo de 2 000 utentes. Em termos de remuneração, quem tivesse apenas até 1 500 receberia apenas um “ordenado base”, e à medida que fosse aumentando a “lista”, por cada 100 utentes receberia mais 10% da remuneração base. Premiava-se o mérito e desapareciam os utentes sem médica de família.

No distrito de Portalegre, apesar de continuarmos a ouvir a ladainha de falta de médicos, nem esse número é atingido e como podemos verificar no Quadro 2, a média de utentes/médico de família no distrito ronda os 1 300. Apenas em 2 concelhos essa quantidade ultrapassa ligeiramente os 1 500 (Elvas e Ponte de Sôr). E em 9 concelhos esse número não chega aos 1 200.



No entanto, a maioria destes clínicos continuam a clamar que as suas listas de utentes estão completas ou ultrapassam os tais 1 500. E porquê?

Muito simples, na maioria dos casos, os Ficheiros estão desactualizados e os Sistemas de Informação em CSP continuam a não dar resposta à pergunta mais básica que é a: de quantos são?

Há dias, o todo-poderoso Bastonário da Ordem dos médicos dizia numa entrevista que em Portugal existem quase 12 milhões utentes inscritos no SNS, quando temos apenas 10 milhões de habitantes, e, que bastaria que se procedesse a uma actualização dos Registos para que não houvesses utentes sem médico de família em Portugal!

Pergunto eu: Então porque não dá orientações aos seus consócios para que o façam?

No distrito de Portalegre a situação é menos grave, mas mesmo assim, existem inscritos perto de 132 000 utentes, quando somos apenas cerca de 119 000 (13 000 inscritos a mais), e não tenho conhecimento de termos por cá inscritos vindos dos distritos de Évora ou Santarém e muito menos espanhóis. Com este número de inscritos a média aumenta logo para cerca dos tais 1 500 utentes/médico.

A quem interessará esta situação?

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