terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Reflexões sobre saúde: Deixar as Urgências para o que é urgente...

(Cont.)

“Hoje, morre-se nas Urgências Hospitalares em situação idêntica à dos campos de batalha medievais, às vezes nem um pano encharcado de vinagre nos levam aos beiços. É urgente parar esta desumanidade...”.

Preâmbulo

Os serviços das urgências hospitalares são hoje verdadeiros caos, onde desembarcam todo o tipo de problemas. São como a foz do tal rio, que vos falei no Post anterior, onde não existiram quaisquer cuidados de manutenção a montante.

Nos “bancos”, hoje em dia, desagua de tudo: desde o homem de meia-idade que tem uma dor no peito, o politraumatizado num acidente de viação, a grávida de 5 meses que teve uma hemorragia abundante, o velho que caiu sobre a anca e não mexe o membro, a mulher que foi encontrada e não mexe um braço e a perna do mesmo lado, alguém que teve uma dor violenta no dorso e está a vomitar, o homem que não consegue urinar à 6 horas, aquele que mal consegue respirar, etc; tudo isto misturado com o menino que não quis comer a sopa, o velho que tem uma dor reumática há 3 anos, a esposa que se indispôs com o marido, o marido que bebeu uns copos e chegou a casa vomitou ou estava tonto, a mãe cujo filho apareceu com febre pela manhã, o trabalhador que não lhe apetece trabalhar e diz que tem uma unha encravada, a pessoa de 95 anos do lar de idosos que já estava morta pela manhã mas a família exigiu que o levassem ao hospital porque senão não tem quem lhe passe o óbito, e, um sem fim de situações que nunca mais pararia!

O que é que é urgente e o que é que não é? Na perspectiva pessoal do utente/doente, urgente é sempre o seu problema, como é lógico. Terão de ser os serviços a fazer essa triagem e organizar as prioridades de atendimento, dentro de um tempo razoável.

Estes serviços são, em termos organizativo-funcionais um verdadeiro calvário para aqueles que por mil e uma razões os procuram, mas não o são menos para os diversos profissionais que aí desempenham as suas actividades, e, são o grande quebra-cabeças para qualquer administrador ou gestor de serviços de saúde.

No entanto, há várias décadas que todos os pensadores e administradores do sistema de saúde conhecem que esta problemática só tem uma solução: Reorganização e investimento nos Cuidados de Saúde Primários, enquanto porta de entrada dos utentes no sistema de saúde.

As urgências, se se quiserem eficazes, não podem continuar a ser de porta aberta e privilegiada para todos os cidadãos que queiram resolver os seus problemas de saúde, ou não. Ninguém deveria dirigir-se para um serviço de urgência hospitalar, sem ser enviado por um Serviço de Cuidados de Saúde Primários, com excepção das situações de emergência que serão conduzidas pelos respectivos serviços do INEM.

Desde a sua implementação, sem precisar das diversas reorganizações, que no SNS isto está previsto, porque não acontece então?

Por razões diversas, sobretudo desorganização e muitos interesses obscuros. Alguns deles já os enumerei no Post anterior, como é o exemplo dos clínicos gerais andarem a fazer o que não devem na Prevenção Primária, porque existem outros profissionais tão ou melhor habilitados que eles para essas actividades, quando deveriam estar disponíveis para dar resposta a estas situações de episódios agudos ou recidivas de doença, onde a sua formação é única e fundamental; mas também os grandes interesses privados e corporativos a quem não interessa ver estas situações correrem bem, alguns que são em, simultâneo, administradores no SNS.

Por outro lado, deveríamos proceder a uma “desmedicalização” do SNS, os utentes deveriam começar a ter mais confiança e procurarem os outros profissionais do sistema, para que estes os ajudem na resolução dos seus problemas. Como tenho vindo a defender, o médico não pode continuar a ser o actor que tudo resolve. E médicos e utentes têm que perceber isto.

Só que estas medidas, mesmo que começassem a ser tomadas agora, irão demorar algum tempo até se fazerem sentir. Não se mudam hábitos por decreto, e muito menos por obra e graça de qualquer personalidade divina, por isso urge começar.

2 – Deixar as Urgências para o que é urgente

A minha proposta urgente, para a reorganização das Urgências no Alto Alentejo, distrito de Portalegre, passaria por localizar no Hospital Doutor José Maria Grande, todas as urgências de cariz médico-cirúrgico, mantendo em Ponte de Sôr e Elvas serviços de urgência básicos (SUB).

Não faz qualquer sentido manter uma equipa médico-cirúrgica no Hospital de Elvas, e outra em Portalegre, quando todos os estudos apontam para que cada uma destas equipas tenha pelo menos 150 000 habitantes, no distrito, existem duas para 118 000 habitantes. Quando o tempo de deslocação entre as duas cidades é inferior a 45 minutos.
Uma aberração e um grande desperdício de recursos. Não estamos em tempos de bairrismos e muito menos de birrinhas!

Aqui no Hospital de Portalegre, existiriam dois serviços de atendimento (duas equipas) a trabalhar em paralelo: 1 para atendimento do que fosse catalogado pela “Triagem” com “verde” ou “amarelo” (pouco urgentes); e 1 outro para as verdadeiras urgências os “laranjas” e “vermelhos”.

O primeiro seria assegurado por profissionais dos Centros de Saúde, já que viram ultimamente os seus horários de atendimento diminuídos, e penso que ainda possuem 12 horas nas suas carreiras para estas actividades. O segundo, dentro do possível, seria assegurado pelos profissionais hospitalares de Elvas e Portalegre, só em último remédio se deveria recorrer às empresas mercenárias exteriores, nem que para isso se tivesse que pagar em horas extraordinárias aos profissionais em défice.

Quando a rapaziada de Lisboa soubesse, que havia médicos em Portalegre que ganhavam 30 ou 40% mais que eles, talvez fosse uma maneira de os arrancar de lá.

As criancinhas seriam atendidas no serviço assegurado pelos Centros de Saúde. Não faz sentido um serviço de urgência em Pediatria para atender pouco mis de 20 000 infantes, que são o número de jovens que existe no distrito dos 0-18 anos. Isto é um luxo a que não nos podemos dar, porque quando se desperdiça num lado, noutro irá faltar...

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