quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (7º Episódio)

UM POUCO DE POLÍTICA...



Ao longo dos tempos sempre se disse que um dos melhores ofícios era o de Cantoneiro.
De quem se profere, com maleficência claro, só se verem trabalhar quando alguém passa na estrada, sem nunca se referir, no entanto, se será de veículo motorizado, ou simples transeunte que circule, gastando as solas dos sapatos ou, montado em animal de quatro patas.

Se de veículo a motor se tratasse, quão bela seria a vida que Xico Bugalhão levaria como Cantoneiro assalariado da autarquia marvanense, naquele final de século dezanove de 1895. Pois constava, que há apenas alguns dias havia chegado a Portugal, vindo de terras de França, o primeiro panhard & levassor. Do qual se dizia, que a sua primeira façanha, teria sido a de atropelar um incauto burro, que pastava sossegado nos campos do Alentejo.
Dizia-se ainda que, como lhe não haviam inventado buzina, certamente por isso não pode o quadrúpede ser avisado, começando o seu condutor, o senhor conde de avilez, aos gritos de: “arreda…arreda”, só que, não estando o competidor habituado a linguagem tão erudita, não percebeu, o que lhe seria fatal.

Contribuiu este facto, para que antes de tal invenção humana fosse baptizada de automóvel, carro, viatura, auto, popó, carriola, bate-latas, caranguejola, veículo, geringonça, automotor, ripolam, charrueque, calhambeque, carripana, bolinhas, etc., fosse o seu primeiro nome em terras lusitanas, o de “máquina do diabo”. Certamente, por ter atropelado o nobre animal, que no estábulo sagrado havia amornado aquele que seria cognominado como filho de deus dos cristãos, após ter alombado com sua mãe, da Galileia até Belém.

Xico Bugalhão era o segundo filho de José Bugalhão e Teresa Gonçalves (a já referida progenitora que, amamentava os filhos no intervalo de uma cartada na tasca), o qual terá vindo ao mundo em meados dos anos setenta do século XIX. Quis o destino, que o seu primeiro ofício fosse de Cantoneiro de estradas do município, se tal se podia chamar às míseras carreteiras de terra batida que atravessavam o concelho de Marvão naquela época, onde ainda não havia chegado o alcatrão. Matéria preciosíssima no futuro, sobretudo, quando autarcas candidatos pretenderem ganhar eleições, lançando essa massa preta para os olhos dos ingénuos eleitores.

Não se fez velho nesta ocupação o Cantoneiro, pois como já sabemos de episódios anteriores, o seu futuro será o de contribuir para transmutar grão em farinha, do qual se fará muito do pão que matará a fome a estas gentes. Mas não se pense, ter sido por falta de predisposição para o remanso de que este ofício é apelidado, que Xico resolveu mudar de ramo, pois não terá sido esse, o fundamento. Aliás, não terá sido apenas um, mas dois os motivos relevantes a influenciar o processo de tomada de decisão, do futuro moleiro.

O primeiro, já o havíamos aportado em episódios precedentes, que era a circunstância de nunca ter lidado bem com essa situação funcional, que é a de ser-se trabalhador por conta de outrem. Mesmo que esse outrem seja uma entidade abstracta, como é o caso do Estado, seja ele o central, ou o local como era a circunstância.
E bem podemos afirmar que esta imaterialidade, nunca terá tido uma aplicação tão adequada já que, há mais de um mês, os representantes locais desse Estado, logo, os patrões do futuro moleiro, haviam abandonado as suas funções e responsabilidades, para as quais haviam sido “meio-escolhidos” “meio-nomeados”, e tinham ido às suas vidas, despedindo-se à espanhola, pois o governo regenerador do ribeiro, por decreto, os havia mandado às urtigas sem outra justificação que não fosse, a de os considerar incapazes, e gastadores dos poucos dízimos gerados por uma gente de desventurados e pelintras.
Para além desses predicados que o regenerador ribeiro utilizou, para destituir a legítima vereação municipal do magalhães, e extinguir concomitantemente, o concelho de Marvão integrando-o no de Castelo de Vide; dizia-se por estas bandas, à boca-pequena, que estes haviam sido ainda burlados pela oposição progressista do frenético (frederico) laranjo, ao prometer-lhes que estivessem sossegados em suas casas, que não levantassem ondas e mantivessem na ordem as ingénuas e boas gentes marvanenses, que ele se encarregaria de os incluir na vereação futura do município castelovidense, quando o seu partido ocupasse o poleiro da vila. Só que tal nunca veio a suceder, porquanto os regeneradores judeus não estavam para aí virados, e como de costume, não cumpriam o acordado com o citrino.

O segundo, tinha razões mais objectivas e menos filosóficas. Tinha pois a ver com uma das maiores pragas sociais de sempre, desde que o mundo é mundo, ou pelo menos, desde que os romanos haviam passado a pagar aos seus colaboradores, em sal, os serviços por estes prestados, denominando pomposamente, tal facto, de “salarium argentum”. Termo esse, que viria a ser reduzido pelos portugueses, abreviadamente, para salário.
E no reduzir é que estava o problema. Aliás, nem era bem o reduzir, até se poderia afirmar, com mais propriedade, que seria o reduzir à fórmula ínfima, isto matematicamente falando, o termo exacto era suprimir.
E com salários suprimidos, ou melhor, como se diz por aqui, jornas em atraso, já o Cantoneiro Xico Bugalhão leva quase cinco meses, sem que lhe seja dado a ver a cor do dinheiro para as sopas. Julho, Agosto e Setembro, quando o empregador ainda era o município de Marvão. Outubro e o que resta do mês de Novembro, cujas responsabilidades têm que ser imputadas aos de Castelo de Vide; que, apesar de se andarem por aí a gabar em discursos pacóvios, como foi o caso do pinto sequeira, o de ter sido um grande melhoramento a integração do concelho vizinho, o facto é, que continuou a não cumprir com as suas mais elementares obrigações, como seja as de pagar o tal salarium argentum aos seus empregados. Apesar de ter retirado dos cofres da Câmara de Marvão a quantia de um conto de réis, quantia que, naquela época, seria mais do que suficiente para saldar as jornas com esta gente trabalhadora.

Como já foi contado, andaríamos por essa altura, em meados do mês de todos os santos, menos o de são receber. E o Cantoneiro Xico, com outro seu camarada de ofício, estavam a endireitar as suas cruzes, depois de terem debelado, mais uma das valetas feitas pelas chuvas, na carreteira entre a Portagem e a sede do finado concelho de Marvão, perto do lugar das Ferrarias, quando repararam, que se acercava deles um grupo com cerca de uma dezena de cavaleiros, a galope em suas cavalgaduras.
Arrazoavam alto, quase aos berros, com uma pronúncia estranha de ilhéus, e puderam os dois marvanenses ouvir claramente, um dos valetes a dizer para o do cavalo baio, de que não havia mesmo qualquer dúvida, que estes marvanenses estavam mesmo satisfeitos por pertencerem ao concelho de Castelo de Vide, e que tal como ele havia referido, para que constasse nos tempos futuros, tudo corria na melhor ordem e sossego. Bastava ver a consideração que revelaram estes dois trabalhadores, que até se puseram em sentido, assim que nos viram aproximar.

Ao ouvir tal arengo, questionou Xico Bugalhão o seu camarada, sobre quem seriam tais figurões? E o que fariam por estas terras esquecidas?
Ao que aquele respondeu:
- Atã…ò Xique, sã os nossos noves patrõs. Aquele éi o presedente da cambra de castel`vide, ô sequêra da costa, …e o papagai falante éi o secretare d`ele, andão nas elêçõs. Mas…os mal creadons, nein nôs desserem bom dîia, nein q’ando nos pagavão…

Está agora Xico Bugalhão, ainda com a picareta na mão, olhando os facínoras judeus a afastarem-se velozmente.
As palavras do seu consorte de desventura, começaram a revoltar-lhe as entranhas e, atirando o seu utensílio de trabalho, violentamente, contra a sebe, lá foi andando e dando conta de sua deliberação, para que também constasse em tempos futuros:

- A partir desse dia, não trabalharia durante toda a sua vida, para mais cabrão nenhum, nem que tivesse que expirar à fome…arre cos pariu!

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