A antiga deputada socialista, Marta Rebelo, analisa o PS actual no pós-congresso de Matosinhos.
"De gravata cor-de-rosa “PS-fushia”, em rigor cromático – polegar pronto a elevar o moral, teleponto de lente cristalina sem lugar a enganos mas engasgos de emoção, o líder pergunta se estão com ele. E em apoteose estão todos.
Todos se convencem que dia 5 de Junho chegará a vitória. O FMI passa a ser sigla desconhecida e o PSD a besta, numa amnésia colectiva de euforia telegénica produzida pelo maior realizador e protagonista da era mediática da política nacional: José Sócrates, senhoras e senhores. Chegou, discursou, venceu? Não. Mas na bolha da Exponor e até às 14h de domingo passado todos queriam tanto que sim."
Fui delegada de sofá (por doença grave), o que me concedeu o distanciamento necessário para analisar aquelas pessoas. Muitas fazem parte do meu quotidiano há tantos, muitos anos. Sou leal, não sou cega. E foi muito mais fácil colocá-los no divã em frente ao meu sofá, tomar-lhes o pulso aos pecados e antever-lhes as vontades recalcadas, com a TV a intermediar-nos o encontro.
Sejamos verdadeiros: o que é que há para salvar? Nem a face.
Vencer as legislativas é ganhar uma carga de trabalhos, a gestão da bancarrota e ter o triste contentamento de ser eleito pelos que votarão encolhendo os ombros enquanto a caneta faz a cruz.
As sondagens são cruéis: quem vier a seguir, será tão mau quanto quem está. Mas o poder é uma vertigem de loucura, vício e ilusão da possibilidade do salvamento constante. E em euforia estudada, quase acreditando nela, estava lá a constelação dos maiores: José Sócrates, António José Seguro, António Costa, Francisco Assis.
Depois, porque a união foi cozida com linha de pesca, da que não quebra senão mordida por um tubarão – e o único que tínhamos retirou-se, Jaime Gama – estavam Carlos César, Manuel Alegre, Ferro Rodrigues. E Edite Estrela a organizar os «peço a palavra» a Almeida Santos, o que valeu a Ana Gomes ser enxotada para a meia-noite de sábado e o pavilhão vazio. Erro – e este PS não costuma fazer destes: as TV´s só queriam uma voz dissonante. Mesmo sem gravata de cor estudada, Ana Gomes teve quase tanto palco quanto Sócrates.
Mas vamos ao futuro. E depois do adeus, o que faziam eles ali?
Primeiro é preciso que haja adeus do grande líder. Sócrates é dos que cai de pé. Não bebe cicuta, fareja-a à distância. Vai a eleições. Perde-as, mas por uma unha negra. E quero ver Cavaco a obrigá-lo a retirar-se para outras pistas de sky para possibilitar o bloco central de todos. O homem da esquerda moderna pode bem ganhá-las por uma unha negra, e o imbróglio não muda de figura. Mas muda a vida interna do PS.
Seguro respira já os ares do próximo congresso, que muitos dizem ser dentro de três meses. Será eleito, pois claro. Na surdina, nos bastidores, a fazer a sua cama com lençóis de algodão egípcio desde 2004, tecido pelos melhores artesões do aparelho socialista, não acredito que alguém vença To-zé.
Tal como não lhe antevejo qualquer feito relevante. Não sabe escolher gravatas nem combinar-lhes as cores. Fala pouco, não vá comprometer-se. No congresso, dirigia-se aos jornalistas dizendo lugares comuns como um jogador da bola no “flash interview”.
Não me identifico com gente que só faz e fala em off, para evitar o compromisso.
António José Seguro é o amante que anda com a caixa do solitário no bolso há anos, à espera do momento propício para fazer o pedido sem correr o risco da noiva dizer que não. Calculismo é só forma, e por mais quilates que o diamante tenha não há gemas perfeitas. Pode viabilizar o bloco central? Pode. Vai ser Secretário-Geral do PS? Vai. Um dia Guterres, num momento intimo a quatro, prognosticou que Seguro faria a liderança da esquerda do PS. E como anda há tanto tempo a preparar-se, é seguramente impoluto. Encontrem-lhe lá a careca, desafio-vos. Encontrem-lhe lá o génio ou as ideias, peço-vos.
Se, e só se, daqui a três meses se repetir o conclave socialista, Francisco Assis, atira-se ao caminho de Seguro. Perde, mas como provou em Felgueiras, não tem medo nenhum de levar tareia e tem tempo. É determinado, este nosso povo gosta mais dos fortes do que dos das falinhas mansas, como Seguro. Não tem o aparelho do PS em todo o seu esplendor, mas tem os que vêm minando a vida a António José e se preparam para lhe dar guerra.
Tem os que ainda acharem que devem alguma coisa a Sócrates, que tem com António José um ódio mútuo de décadas – mas esses serão tão poucos, num partido as dívidas eclipsam-se todas na má sorte. Tem uma certa continuidade do “status quo”, sem estar demasiado comprometido com o dito. Tem fibra própria, imagino-lhe um pequeno-almoço menos metódico do que o de To-zé, que se atira voraz às fibras dos cereais saudáveis para o corpo e a mente todas as manhãs. Só que é aqui que Seguro é impossível de bater: no método, na organização, na espera. Nem precisa de esticar muito as pernas quando descansa de esperar sentado.
Depois o eterno amado António Costa. No PS sempre me disseram «costista». Estes alinhamentos lembram-me a «cosa nostra», mas tenho uma admiração assumida pelo edil de Lisboa que me vem ainda da menoridade. Hoje ouso dizer que os “timmings” vão estando contra ele. E que está errado se vê com solidez a mudança directa dos Paços do Concelho para o Palácio de Belém, à semelhança do seu mentor Sampaio. António, precisa de escolher a cor de gravata certa para o palco adequado, e esticar o tempo como num jogo de xadrez. Xeque-mate?
Manuel Alegre, porque era preciso, foi morder a mão do PCP e do BE, que lhe deu de comer e uma bela indigestão em Janeiro; Ferro Rodrigues voltou, é um homem bom e nestes anos chamou os bois pelos nomes; Carlos César é determinante. Porém não sei que vento ou casamento virá dos Açores.
César não gosta de Sócrates, isso um leigo percebe. Foi alegrista, como poucos, atentando contra a moderação lisboeta; disse à porta do Congresso que o governo cometeu erros e identificou-os: demorou demasiado tempo a reconhecer a existência da crise, a «internalizá-la», foi demasiado keynesiano e a estratégia falhou. Depois, debaixo dos holofotes, disse como os outros, «Zé, estou contigo».
É, como figura, mais forte do que Seguro, mas socialistamente mais insular; facilmente se entenderia com Costa, são ambos rijos; com Assis? Depende da direcção dos ventos nas Lajes. Curiosamente, disse o mesmo que Ana Gomes foi bradar a palco. Mas lá dentro, na cenografia magnificamente orquestrada alinhou pelo diapasão da unidade.
Este PS precisa de definição. Precisa o país, precisamos todos.
Estou certa de que já todos recuperaram da embriaguez do fim-de-semana. E sóbrios, esperam pelo futuro do líder. Sócrates não sucederá a Sócrates, isso todos pensam e (quase) todos anseiam.
Eu, a quem «elogiaram» como «a menina bonita do PS», «a socranete n.º 1», ou «a estrela em ascensão», respondo que a idade traz rugas; então e Edite Estrela? e as estrelas acabam cadentes... Estou desiludida, afastada e farta desta engrenagem do meu partido (vá, chamem-me o que quiserem).
Não sei se estou contigo, Zé – eu manifestante com a Geração à Rasca.
E sem humildade de plástico, não me tenho na conta de futuro de nada. Todavia, avance quem for contra Seguro, regresso com o arsenal que aprendi a reunir com todos estes. Estarei com Costa sempre. Com Assis, se for ele a avançar.
Posso porém garantir-vos que o meu arsenal não caberá nunca numa lata de salsichas nobre, daquelas pequeninas e de seis unidades, de qualidade dúbia mas que de repente geraram uma corrida às prateleiras dos supermercados.
Que partidos são estes?!
Este fim-de-semana o PS esteve ocupado numa vitória colectiva, reunido para um espectáculo de pirotecnia do mais elevado teor de unidade e de tiro ao alvo social-democrata, o criador de todas as desgraças do rating do país e, afinal, da sua paupérrima condição.
Vamos ver quem atira na lata de salsichas certa...
1 comentário:
Meu caro amigo explique o que é a noite dos "facas longas", é que ao nivel que está o ensino em Portugal poucos saberão.
Não é o caso deste !esperte".
Um abraço
Mirandinha
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