Escrito por: Mário Bugalhão
Tristes, muito tristes.
Assim eram as pessoas que encontrei, ao fim do dia, no percurso que fiz entre o trabalho e a estação de comboio.
Nem um sorriso apressado.
Apressados, só os corpos em busca do refúgio da chegada.
Como é possível viver assim?
Já na carruagem, pessoas de olhos fechados a fingir que dormem, e outras, de olhos abertos a fingir que vêem.
Faz de conta, esta viagem.
Toca a campainha das portas, anunciando a chegada a mais um destino.
As pessoas saem, de cabeça baixa, acotovelando-se, não vá a do lado dar o passo maior.
Entra ar puro enquanto as portas se mantêm abertas.
Perco a esperança.
Dos novos companheiros de viagem que entraram, nem um sinal de alegria.
Todos trazem no rosto, o sorriso ao contrário.
Paisagem esta, bem mais agreste e deprimente, do que aquela que se vê nas fotografias deste episódio 4º.
Será que as pessoas ficaram em casa e, mandaram as suas tristes sombras trabalhar?
Lá vai o comboio, massajando o corpo, adormecendo o pensamento, seguro no seu carril.
Era assim o macho do Ti Manel Bugalhão, seguindo o carril, quando lavrava.
Cabeça baixa com o olhos a acompanhar.
Focinho babado, beiças arregaladas, e os dentes a luzir.
Parecia até sorrir.
Se calhar, feliz por não ser burro.
Algumas das minhas companhias, da carruagem onde vou, teriam inveja do sorriso do macho.
Lá ia ele, rego após rego.
-Anda macho d`um cabrão.
-“Pa riba, pa riba macho”, gritava.
Ia abrindo feridas na lavrada, e ao mesmo tempo, estendendo uma toalha de terra fina, escura e fresca, que servia de festim, para os pássaros não convidados.
-Anda corno, dizia prolongando os ós.
-“Ó baixo, ó baixo”, instruía o Ti Manel, sempre que o bicho se distraía, e o rego entortava.
O céu estava parado.
O vento também.
O sol, ardia no lombo do macho e nas goelas do homem, vingando-se dos momentos em que as nuvens o não deixavam passar.
Um convite.
Pararam debaixo de uma oliveira.
O macho para retemperar as suas forças, o Ti Manel, para matar o vicio e preparar um cigarrito.
Tabaco numa mão, mortalha na outra, corpo imóvel, e muito cuidado para juntar os dois ingredientes, não fosse a mão falhar.
Enrolava, apertava, e por fim, sobrava sempre um pouco de saliva que o sol não secara, para selar o “paivante”.
Isto é que é vida.
O sol, o campo, a paz, e o descanso merecido
Mas o melhor de tudo, era sentir o fumo do cigarro a deslizar pela garganta, até lhe alugar os pulmões.
Pára o comboio.
É a minha estação.
Levanto-me com cuidado (tive a sorte de fazer a viagem sentado), empurra daqui, empurra dali, e lá vou eu, cabeça levantada, olhar em frente, arriscando-me a levar uma pisadela por mostrar tal altivez; mas é o risco que corro por não estar triste e de cabeça baixa, apesar de ter motivos para isso...
2 comentários:
e agora? já não bastava um, temos que levar com outro...
claro que não vou responder a provocações, bem basta o que escrevo sem ser... invectivado.
digo apenas que este ainda me saiu melhor que o tio. tanta gente com talento escondido!
e até está (eu sei que não devia dizer isto, estou-me a candidatar a represálias) bem enquadrado no espírito da estória... e até está (bom, cá vai) mais escorreito, mais engraçado. um pouco para o lamechas mas enfim, desculpa-se.
quanto à viagem de comboio, caro primo, ela ainda te propicia momentos destes porque andas nesta vida há pouco tempo. dá-lhe mais um aninho e vais ver se não enfias a cabeça num livro, ou os ouvidos num mp3 qualquer, passando a andar com aquela cara de '****-se que nunca mais chego a casa'. é claro que cada um lida com o embrutecimento como sabe, e tu até podes lidar com isso melhor que o resto da maralha. mas não é por serem mongos insensíveis ou derrotados pela vida. é pq já não têm cu para aguentar com um sorriso o que é razão para chorar.
parabéns pela escrita. cm diria o (ou a) mata-borrão '...que orgulho!' eu é no primo. e tu mata-borrão? em que é que tens orgulho, no que respeita ao már'zéi?
abraço
Era Agosto, no fim da tarde longa, quase escuro, quase noite.
Numa pequena calçada que subia do rio Sever até à estrada da Ponte Velha, um magote de gente alegre, muito alegre mesmo, sobe lentamente o caminho.
Entre eles o Manel, felicidade estampada no rosto, pequeno e enrugado, os olhos pequeninos de riso…
Todos riem, todos falam, a alegria é tanta, que até entontece.
De repente, o Manel agarra na neta mais velha por um braço e desata a dançar e a cantar.
Todos param a aplaudir, a comentar e a rir ainda mais.
A dança corre periclitante, pois a calçada é inclinada. A cantiga é a “do cigano”. Conta a história da vida dele, que não corre nada bem, ao que parece…
De entre todos, vê-se o Chico, contente da vida por ver o pai e a filha a dançar, mas… não me lembro da cantiga. Como eu gostava de me lembrar da cantiga do cigano, que o Manel cantava, enquanto dançava com a neta mais velha e todos os bugalhões riam, comentavam e aplaudiam.
Que feliz eu era, e não sabia.
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