sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

RENDIMENTOS DO CAPITAL GENÉTICO...

Escrito por: Mário Bugalhão


Tristes, muito tristes.
Assim eram as pessoas que encontrei, ao fim do dia, no percurso que fiz entre o trabalho e a estação de comboio.
Nem um sorriso apressado.
Apressados, só os corpos em busca do refúgio da chegada.
Como é possível viver assim?

Já na carruagem, pessoas de olhos fechados a fingir que dormem, e outras, de olhos abertos a fingir que vêem.
Faz de conta, esta viagem.

Toca a campainha das portas, anunciando a chegada a mais um destino.
As pessoas saem, de cabeça baixa, acotovelando-se, não vá a do lado dar o passo maior.
Entra ar puro enquanto as portas se mantêm abertas.
Perco a esperança.
Dos novos companheiros de viagem que entraram, nem um sinal de alegria.
Todos trazem no rosto, o sorriso ao contrário.
Paisagem esta, bem mais agreste e deprimente, do que aquela que se vê nas fotografias deste episódio 4º.
Será que as pessoas ficaram em casa e, mandaram as suas tristes sombras trabalhar?

Lá vai o comboio, massajando o corpo, adormecendo o pensamento, seguro no seu carril.

Era assim o macho do Ti Manel Bugalhão, seguindo o carril, quando lavrava.
Cabeça baixa com o olhos a acompanhar.
Focinho babado, beiças arregaladas, e os dentes a luzir.
Parecia até sorrir.
Se calhar, feliz por não ser burro.
Algumas das minhas companhias, da carruagem onde vou, teriam inveja do sorriso do macho.

Lá ia ele, rego após rego.
-Anda macho d`um cabrão.
-“Pa riba, pa riba macho”, gritava.
Ia abrindo feridas na lavrada, e ao mesmo tempo, estendendo uma toalha de terra fina, escura e fresca, que servia de festim, para os pássaros não convidados.
-Anda corno, dizia prolongando os ós.
-“Ó baixo, ó baixo”, instruía o Ti Manel, sempre que o bicho se distraía, e o rego entortava.

O céu estava parado.
O vento também.
O sol, ardia no lombo do macho e nas goelas do homem, vingando-se dos momentos em que as nuvens o não deixavam passar.
Um convite.

Pararam debaixo de uma oliveira.
O macho para retemperar as suas forças, o Ti Manel, para matar o vicio e preparar um cigarrito.
Tabaco numa mão, mortalha na outra, corpo imóvel, e muito cuidado para juntar os dois ingredientes, não fosse a mão falhar.
Enrolava, apertava, e por fim, sobrava sempre um pouco de saliva que o sol não secara, para selar o “paivante”.

Isto é que é vida.
O sol, o campo, a paz, e o descanso merecido
Mas o melhor de tudo, era sentir o fumo do cigarro a deslizar pela garganta, até lhe alugar os pulmões.

Pára o comboio.
É a minha estação.
Levanto-me com cuidado (tive a sorte de fazer a viagem sentado), empurra daqui, empurra dali, e lá vou eu, cabeça levantada, olhar em frente, arriscando-me a levar uma pisadela por mostrar tal altivez; mas é o risco que corro por não estar triste e de cabeça baixa, apesar de ter motivos para isso...

2 comentários:

Luís Bugalhão disse...

e agora? já não bastava um, temos que levar com outro...

claro que não vou responder a provocações, bem basta o que escrevo sem ser... invectivado.

digo apenas que este ainda me saiu melhor que o tio. tanta gente com talento escondido!

e até está (eu sei que não devia dizer isto, estou-me a candidatar a represálias) bem enquadrado no espírito da estória... e até está (bom, cá vai) mais escorreito, mais engraçado. um pouco para o lamechas mas enfim, desculpa-se.

quanto à viagem de comboio, caro primo, ela ainda te propicia momentos destes porque andas nesta vida há pouco tempo. dá-lhe mais um aninho e vais ver se não enfias a cabeça num livro, ou os ouvidos num mp3 qualquer, passando a andar com aquela cara de '****-se que nunca mais chego a casa'. é claro que cada um lida com o embrutecimento como sabe, e tu até podes lidar com isso melhor que o resto da maralha. mas não é por serem mongos insensíveis ou derrotados pela vida. é pq já não têm cu para aguentar com um sorriso o que é razão para chorar.

parabéns pela escrita. cm diria o (ou a) mata-borrão '...que orgulho!' eu é no primo. e tu mata-borrão? em que é que tens orgulho, no que respeita ao már'zéi?

abraço

mata borrão disse...

Era Agosto, no fim da tarde longa, quase escuro, quase noite.
Numa pequena calçada que subia do rio Sever até à estrada da Ponte Velha, um magote de gente alegre, muito alegre mesmo, sobe lentamente o caminho.

Entre eles o Manel, felicidade estampada no rosto, pequeno e enrugado, os olhos pequeninos de riso…
Todos riem, todos falam, a alegria é tanta, que até entontece.

De repente, o Manel agarra na neta mais velha por um braço e desata a dançar e a cantar.

Todos param a aplaudir, a comentar e a rir ainda mais.

A dança corre periclitante, pois a calçada é inclinada. A cantiga é a “do cigano”. Conta a história da vida dele, que não corre nada bem, ao que parece…

De entre todos, vê-se o Chico, contente da vida por ver o pai e a filha a dançar, mas… não me lembro da cantiga. Como eu gostava de me lembrar da cantiga do cigano, que o Manel cantava, enquanto dançava com a neta mais velha e todos os bugalhões riam, comentavam e aplaudiam.

Que feliz eu era, e não sabia.