quinta-feira, 20 de março de 2008

RENDIMENTOS DO CAPITAL GENÉTICO...

Escrito por Luís Bugalhão


boas tio.

hoje estou com uma daquelas telhas qu'até zóne nozóvidos.

passei a noite às voltas na cama, cheio de saudades do meu pai, cheio de rancor contra a vida que nos prega tantas partidas de morte.

precisava mesmo dele. preciso dele. mas ele não está cá. foi-se, num inverno frio, tornado ainda mais gélido pelo seu desaparecimento.

sabes que sou incréu, e por isso, como não posso falar com o pai chico, falo com a sua memória e com quem dele está mais próximo, na geração acima da minha...

que raio de vida esta...

dei por mim a pensar nas falhas dos neurónios e das sinapses. falhas castradoras de lembranças, de episódios, de estórias. brancas que me envergonham por não conseguir evitá-las.

é que queria mesmo estar com o meu pai!

queria ouvi-lo a dizer-me que '... isso é conversa de chacha.'. queria escutar-lhe as conversas da guerra para onde foi enviado pela vida tão cedo. tão moço. e já tão velho também. queria vê-lo novamente a abraçar a mila e a dizer-lhe '... se me derem um neto, agarro em ti e levanto-te até ao céu!...'. os netos, que a são e eu lhe demos e ele nunca conheceu...

ele que, para muita gente, não passava dum insensível, sem cuidado nas palavras que escolhia para dizer verdades... esse bruto, que também tinha coração de menino. ainda. naquela altura, meses antes de nos deixar, derrotado por um inimigo que nunca lhe mostrou a cara e que ele, por isso, não podia combater. um coração de menino que cedo aprendeu a empedernir a emoção, a desviar a conversa para o sisudo, para não sofrer ainda mais com a injustiça dos que o rodeavam, e só viam rudeza onde havia extrema sensibilidade. e por isso o abraço à mila que, surpreendida, se sentiu apertada e alevantada do chão pelo sogro... no último almoço dos bugalhões, em frente à família toda, em setembro de 1990. bom que a vida lhe tenha dado momentos destes, de libertação dos espartilhos e das capas de duro que vestia para se proteger e para proteger os que amava... mesmo que não lhes parecesse, aos que amava.

se calhar somos todos um pouco assim, os bugalhões. se calhar não estou a falar dele, estou a falar de mim. mas o que eu queria mesmo era falar com ele.

RAI'S PARTA ESTA MERDA TODA!

ontem foi dia do pai e eu queria falar com ele e não posso. queria tê-lo aqui, na net, neste blog de que seria um colaborador essencial, neste mundo da informação global a que ele aderiria, já reformado e com tempo para se dedicar também às escritas e às leituras...

ontem foi dia do pai e eu queria tanto ter falado com ele. mas não posso.

por isso falo contigo. que sendo meio-irmão, fazes muito bem as vezes de meio-pai. recebe um abraço sentido de bom dia do pai, deste teu meio-filho.

até amanhã, em sto. antónio, Marvão, terra linda e agreste, mística e fria, rude e sensível. como nós. como o meu pai.

e eu queria tanto falar com ele...

7 comentários:

Luís Bugalhão disse...

não era para cá pores, mas não me importo. até me sinto melhor por ter sido honrado com o post...

mas já agora corrige lá o 'tento' por 'tanto', sff. não é por ter sido eu, é porque fica logo num dos capítulos do retórica, e sabes o que é que me disseste 'diz-me, que eu agradeço, para corrigir'. logo...

abraço grande que vais levar amanhã...

inté

João, disse...

Penso ter corrigido...só se eram dois!

João, disse...

Penso ter corrigido...só se eram dois!

Luís Bugalhão disse...

brigados.

Luís Bugalhão disse...

pois que passes um dia muito feliz, cheio de boas energias, aí pelos alentejos do nosso coração.

pois que bebas um bom tinto ao jantar, que eu por cá farei o mesmo, à tua, à nossa, saúde e felicidade.

e a seguir, pois que escrevas um novo episódio do rimance. até porque deve fazer hoje 9 meses e cinquenta e um anos que o ti manel sentiu o aperto de alma do 1º episódio, e que a ti luísa sentiu um calor diferente do daquele verão longínquo do 2º episódio.

parabéns, que contes muitos, e eu cá a ver-tos contar.

abraço

Garraio disse...

Desde que começámos a coincidir aqui por estes espaços virtuais e nos fomos conhecendo, ou conhecendo um bocado melhor (segundo os casos), tenho sempre acompanhado com atenção a relação pessoal que vos une (João e Luís) e, por supuesto, fiquei a saber muito mais sobre os Bugas, do quó que sabia.

O que muito me tem dado que pensar, refira-se. É que os Bugas e os Garraios levam-se muito pouco, pelo menos os Garraios da minha família directa. Talvez sejamos dois exemplos dos mais puros do que é ou foi a raça mais autóctone aqui deste lado da raia. Duvido que haja famílias que mais tenham a ver com os chabarcos do Sever ou com os calhaus e as veredas por onde passeámos no outro dia....

Quando o Luís fala na dureza exterior e depois na extrema generosidade interior do seu pai, eu também estou a ver o meu, espelhado nas suas palavras. E tu, João, que o conheceste bem e sabes como ele te apreciava, certamente me darás a razão, nesta comparação que aqui deixo.

Em suma, acho que Bugas e Garras estão feitos do mesmo material ou de um muito parecido. Curiosamente já reparei também que geramos as mesmas invejas e que somos tão nobres que temos que fazer grandes esforços para ao fim e ao cabo não sermos gozados e pisados por outros cuja nobreza, lealdade e frontalidade peca pela sua ausência. Se estiver enganado, avisem.

Vai um Abraço. (João, espero notícias...)

Luís Bugalhão disse...

olá toño.

tb eu espero notícias, mas a fonte parece que secou... talvez com as águas de abril a coisa renasça.

quanto ao comum que ainda transportaremos na atitude e na conduta, os bugas e os garras, não sei...

se tu, raiano valente, e o meu tio terão em comum as vivências do interior profundo, já não posso dizer o mesmo de mim, que cm sabes já fui muito mais marvanense que agora sou. por outro lado, se bem que os genes digam muito do que cada individuo seja, não podemos agarrar-nos a eles. em primeiro lugar pq eu e tu, pex, já partilharemos apenas uma ínfima parte de moléculas complexas nos núcleos das nossas células; e depois pq os outros dna's, que não os dos bugas e dos garras, que poluíram e enriqueceram os que agora transportamos no pelhêgo, tb fazem de nós o que somos.

deves ter lido o que escrevi lá para trás aqui no retórica, o que levou a que os episódios postados por 'externos' se começassem a chamar rendimentos do capital genético... pois continuo a pensar o mesmo, uma vez que um nome é apenas isso: um nome. e, se bem que a família ainda seja a base das nossas sociedades, ela não é de maneira nenhuma, e só pelo facto de ser família, indicador de tudo o que somos. cá p'ra mim, a formação, a educação, as agruras e desventuras, as alegrias e felicidades que a vida de cada um nos traz é que nos fazem como somos. sem descurar as que a família nos trouxe, mas não as limitando apenas a essas, que o mundo é vasto e mói muito mais que aquilo que se possa pensar à primeira vista.

a minha avó paterna tb traz com ela genes dos garras, o que, por tabela, me pôs alguns a determinar a cor dos olhos, ou a tendência para a meditação... mas até por aí é difícil entrar, pois sou muito preguiçoso, ao invés da minha avó luísa, uma moira de trabalho enquanto pôde.

e contudo, gosto de pensar que é dos bugalhões que vieram as minhas qualidades, deixando os defeitos para mim próprio (para o meu 'feitio') ou para factores externos à minha herança genética... mas é uma ilusão ti garraio. we are all made of stars, cm diz o moby, e esta é a única certeza que podemos ter.

agora, e voltando ao início da seca que te estou a dar, teremos muito em comum por via da luta que os nossos pais tiveram para criar os filhos, das lutas que os filhos (cm tu e o jbuga) tiveram para poder agarrar as poucas possibilidades que os respectivos pais lhes propiciaram (que eu nunca me poderei queixar do que os meus me ofereceram. fui, reconheço-o, um privilegiado), labutando e penando para agora poderdes ser vós a dar aos vossos filhos uma vida melhor. isso, e o facto de serdes marvanenses. e é aí que eu entro (disse 'teremos' no início deste parágrafo): sou marvanense por ter aí nascido, por ter passado infinitos verões de feliz infância nos tais chabarcos do sever, nas veredas e canchos lindos que ainda por aí estão... nessa altura ainda não tinham o peso que lhes deste num comentário da taxca, quando duvidaste que os positivos estivessem a falar do mesmo país que tu estavas. não ter água canalizada para mim era xis; cagar ao ar livre e limpar o olho a uma folha ou um pedra era até uma aventura; não haver televisão era irrelevante, até pq não estava tão dependente dela cm estou agora... isso marcou-me indelevelmente, e por isso, cá de longe claro, recordo com profunda nostalgia esses tempos e essa... poética beleza. agora já não vejo as coisas assim. só que já não há modo de arrancar essa parte da minha existência. ela formou-me, de base. o que veio por acrescento foi para preencher as lacunas que havia entre a estrutura nessa altura erguida. talvez quando, e se, a velhice chegar possa voltar para aí, numa tentativa mais ou menos freudiana de regresso ao útero, não materno mas matricial (como quase de certeza já estaria encaminhado, não fosse o infeliz desaparecimento do chico serra, meu saudoso pai).

o que é que resta disto tudo? o que é que resta para termos em comum o que reconheceste como comum (passe o pleonasmo, ou a redundância ou lá o que é esta tralha) no teu e no meu pai? resta a amizade, resta a herança psicológica fornecida por essas nobres charcas a romper por entre canchos, resta a consciência de que só pelos valores (e, por eles, a formação, a educação, as agruras e desventuras, as alegrias e felicidades da vida, repito) que passemos aos nossos rebentos a coisa pode continuar. e a coisa, aqui, é melhorarmos este mundo, que é o mesmo que acreditar em amanhãs que cantam (já cá faltava, não era?) e que é o mesmo que nunca desistir.

nunca desistas tb compañero. nunca deixes que a esperança morra. nunca emigres, mesmo que faças do transfronteirismo uma missão. nem da nossa terra, se conseguíres, nem dos valores que trazes inscritos, em padrões de reacções químicas, dentro das meninges. e, para ser abrangente, da'ialma, se é que assim me aceitas a blasfémia.

já que o jbugas não diz nada, diremos nós. quem sabe o rapaz acorda, e em vez de andar em contra mão pela taxca do ti sabi, venha aqui à casa que construiu contar mais alguma coisa que enriqueça a bugalhoníce. e a garraísse já agora.

grande, grande, abraço amigo!

ps. p'rá semana me voy a madrid, para hablar de los problemas de los militares de europa. que aúm somos europeus, por supuesto. salud (e desculpa o castellano básico, tenho que estudar...).