quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Eu quero morrer no meu cantinho – Se possível, velhinho, independente e junto daqueles que gostam de mim!

Um dos maiores problemas das “urgências hospitalares” e que urge resolver com urgência

Há dias, quando da visita do ministro da saúde ao concelho de Marvão, o presidente da Câmara, assumindo que tinha algumas dificuldades em perceber/dominar as dinâmicas dos serviços de saúde, pediu-me ajuda sobre algumas ideias/sugestões a apresentar ao ministro, com vista a melhorar os cuidados de saúde aos habitantes do concelho.

Dividi esse apoio em 2 Capítulos :

1 – Um pequeno diagnóstico de situação;

2 – Algumas ideias/sugestões que elenquei para a melhoria da prestação de cuidados, nomeadamente: o que deveriam ser as responsabilidades dos serviços de saúde e que contributos poderia dar município.

Uma das ideias que sugeri, que parece que agradou ao senhor ministro, verbalizando até, que era apenas a segunda vez que lhe falavam disso, diz respeito à forma como se vive a fase terminal da vida, morre e onde se morre em Portugal.

A minha sugestão foi a seguinte:

“Criação de um projeto piloto de prestação de cuidados de saúde com as IPSS do concelho (sobretudo cuidados médicos), para diminuir ou evitar o recurso constante destes utentes aos serviços de urgência hospitalar, em situações clinicas que a maioria poderia ser resolvida no local com um pouco de bom senso, e, consequentemente, minimizar a situação degradante do acumular de pessoas em macas nos corredores hospitalares, a maioria em fase terminal de vida, ou mesmo para aí morrerem, quando se houvesse um profissional médico que assistisse estas situações, em articulação com as famílias, iria permitir alguma humanização na fase terminal da vida e da morte, com benefícios para todas as partes e diminuição de custos para todos.”

Quem já entrou numa urgência hospitalar, mesmo que seja por breves instantes, não pode ficar indiferente à quantidade macas nos corredores hospitalares, ocupadas por estas pessoas com idades superiores a 85 e 90 anos,  a maioria das quais, pouco ou nada se pode fazer em termos de cuidados de saúde hospitalares, que ali permanecem e, morrem, em condições desumanas, degradantes, longe dos seus familiares e do seu leito de abrigo (seja ele em casa ou na instituição residencial),  sujeitas a um encarniçamento de cuidados médicos de exames complementares inúteis que nada resolvem, tubos evasivos em todas as cavidades do corpo, que ocupam os profissionais de saúde da urgência  que deveriam ter o foco do seu trabalho no que, de facto, é urgente e não na prestação de cuidados paliativos para os quais não estão vocacionados, nem devem estar, porque não é essa a sua função no sistema de saúde.

Foi por isso, com agrado, sinal que há mais gente preocupada com este problema, que assisti ontem na RTP, à divulgação de um estudo sobre a esta temática – Onde se morre em Portugal, e a sua divergência com um conjunto de outros 32 países, como podem verificar no Gráfico em baixo:

Gráfico 1 – Onde se morre em Portugal (2012 – 2021)

         Fonte: Projeto EOL in Place

Como se pode verificar no Gráfico, em 10 anos, a divergência de Portugal em face desses países, passou de menos de 3%, (2010/2011), para 9% em 2020/2021). Com tendência para aumentar, se nada for feito e face às últimas estratégias medicocentristas e hospitalocentricas do SNS, e abandono dos cuidados de saúde primários (invadidos por profissionais de formação hospitalar, que nada percebem de cuidados primários de saúde), e cuidados paliativos.

Num breve exercício teórico e tendo em conta que em 2023, em Portugal, se registaram um total de 118 864 óbitos, inferindo que as percentagens se mantêm, quer dizer que apenas 27 576 óbitos se registaram nos domicílios; enquanto 91 288 óbitos ocorreram, certamente, nos hospitais.

Se estivéssemos ao nível das percentagens dos 32 países referidos no estudo, possivelmente, apenas 80 590 óbitos teriam ocorrido nos hospitais; o que daria uma diferença de cerca de 10 600 pessoas que morreriam no seu cantinho, possivelmente junto daqueles que lhes são mais queridos e que melhor os podem ajudar nessas horas difíceis. E quanto se pouparia em cuidados de saúde hospitalares que poderiam e deveriam ser dirigidos para outras áreas?

Este problema urge ser encarado pelo próximo governo. Os portugueses agradecem e deveriam exigir...