Capítulo - II
Parece que foi ontem, e já passou um ano desde que aqui vos contei a primeira parte, desta minha aventura de 22 de Janeiro de 1974. É assim o tempo, esse maganão que nunca pára, avançando sempre, sem contemplações, indiferente ao bom ou mau (tempo), de acordo com a perspectiva de cada um.
Quando penso nesta questão do “tempo”, ou como ele passa apressadamente, vem-me sempre à memoria aquela alusão de Saramago, sobre a sua avó materna, de nome Josefa Caixinha, feita no discurso de recepção do Prémio Nobel da Literatura, quando este recordava estas suas palavras:
Parece que foi ontem, e já passou um ano desde que aqui vos contei a primeira parte, desta minha aventura de 22 de Janeiro de 1974. É assim o tempo, esse maganão que nunca pára, avançando sempre, sem contemplações, indiferente ao bom ou mau (tempo), de acordo com a perspectiva de cada um.
Quando penso nesta questão do “tempo”, ou como ele passa apressadamente, vem-me sempre à memoria aquela alusão de Saramago, sobre a sua avó materna, de nome Josefa Caixinha, feita no discurso de recepção do Prémio Nobel da Literatura, quando este recordava estas suas palavras:
“… o mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada.”
Mas vamos em frente (no tempo), que o que aqui quero partilhar convosco, não é propriamente literatura, e muito menos poesia, mas antes um acontecimento único e que me marcou para a vida.
Para uma actualização integral, se já caiu no vosso esquecimento, recomendo que recueis à um ano atrás e, carregando ali, na “caixinha” (que não é a avó do José), do lado direito, no ano de 2010, mês Janeiro, lá hão-de encontrar um artigo com o mesmo título do de agora, para poderem fazer o enquadramento da história.
Contudo, recordo aqui, o último parágrafo desse artigo, para refrescar a memória, daqueles que ainda a possuem:
“… o facto é que, pelas 10 horas do dia 22 de Janeiro, quatro meses antes do futuro Dia da Liberdade, os proletários da CIM, fizeram ali um silêncio sepulcral, naquele arraial de “malhar ferro”, e, mandaram dizer ao patrão Neves, que a partir daquela hora, estavam em greve, até que ele decidisse proceder à justa actualização salarial.
Eu era um deles e também aderi…”
A Greve, naquele tempo, era para a maioria de nós, uma coisa assim como o longínquo ano 2000, que as profecias anunciavam, ser o ano do fim do mundo. Algo que se ouvia murmurar, mas que, certamente, não existiria. Estar num impulso, metido no seu seio, ficava-se assim como uma criança, que vai ao “comboio fantasma” pela primeira vez, mesmo que acompanhado pelos pais.
Se eu sabia que era proibido fazer greve nessa altura? Claro que sabia; se sabia que existia a policia política PIDE, que tudo controlava ? Claro que sim; se sabia que todos os dias iam parar a Caxias, Aljube, ou Peniche pessoas por apenas contestarem a ordem vigente? Sem dúvida; se sabia que as pessoas que aí eram aprisionadas, eram vilmente torturadas, às vezes até à morte? Claro que não podíamos ignorar: víamos, ouvíamos e líamos…
No entanto, para mim, jovem aventureiro de 16 anos, entrei nessa “estação fantasma”, sem medir prós ou contras, apenas movido por aquilo que me parecia ser o mais elementar sentido de justiça: lutar pela melhoria de condições de vida…
Isso bastava-me, depois logo se veria.
Durante as primeiras duas horas, isto é, até ao meio-dia, ocasião em que íamos almoçar, nada sucedeu. Apenas algumas conversas fúteis sobre a vida, que no meu caso específico, certamente, seria alguma combinação com o camarada do lado, sobre a hora e o local do bailarico do próximo fim-de-semana. Ou, quem sabe, uma discussão “futeboleira” sobre rivalidades de benfiquismo e sportinguismo, já que os tripeiros naquelas paragens, para além de raros, naquela tempo ainda não contavam para o campeonato.
Após almoço ligeiro, transportado em “lancheira”, comido ao ar livre, sentado numa pedra, ingerido directamente da dupla marmita de alumínio, habitada num compartimento pela sopa de legumes, e no outro, por alguns restos de guisado da noite anterior acompanhado de pequenas sopas de carcaça, e, após uma hora, lá regressámos ao silêncio cavernoso do posto de trabalho, que mais acertado seria, chamar-se naquele dia, posto de greve.
Passava pouco das 14 horas, quando à entrada do pavilhão principal da oficina, surgiu repentinamente, o patrão Neves, na sua figura altiva, agasalhado com o seu impecável sobretudo preto, acompanhado do “encarregado-geral”, e do chamado “guarda-livros”.
Observado de longe, a cerca de cinquenta metros em linha recta, via-o movimentar-se bruscamente, dirigindo-se individualmente, a cada um dos meus congéneres operários metalúrgicos, junto ao seu local de greve. Dirigia-lhes algumas palavras, em voz bastante alta e alterada, mas que, pela distância a que estavam de mim, me era impossível enxergar. Após o breve monólogo que travavam, como formigas num carreiro, os contactados, sem excepção, lá se iam dirigindo para a porta da rua.
Quando chegou a minha vez, senti-me a enfrentar um pelotão de fuzilamento, no entanto a dúvida, do monólogo com a entidade patronal, já se havia esfumado, pois já ouvira bem claro, o que se passara com aqueles que mais próximos estavam de mim, e assim, foi sem qualquer surpresa, que ouvi da boca do senhor Engenheiro Neves, a pergunta que repetia pela quinquagésima vez:
- O senhor quer ou não trabalhar?
“Ainda passou pela minha cabeça argumentar que Sim, que queria! Que gostava muito, e precisava daquele trabalho, como do pão para a boca…! Mas, que o senhor engenheiro fosse criterioso, pois bem sabia que o custo da vida estava pelas horas da morte, que a renda da casa tinha aumentado, a electricidade em casa já andava a ser substituída por velas; o comboio já custava seis escudos do Cacém para Lisboa, até pela “bica” já queriam vinte e cinco tostões; ir ao cinema? Só no “piolho”…; saiba, o senhor engenheiro, que a malta mata-se aqui a trabalhar, a dar o litro dez horas por dia; eu, uma criança, pela manhã até já cuspo ferrugem deste maldito óxido de ferro, e à noite, só oiço “grilos” nas orelhas; os maganos daqueles sarracenos não param de aumentar o preço do petróleo e, como o senhor sabe, quando aumenta o crude, aumenta tudo, O senhor bem sabe, que fomos nós, com o nosso trabalho, que fizemos esta empresa, não se esqueça, que ainda há três anos, funcionava num “vão de escada”. E já agora, ò senhor engenheiro, o que era isso para si de, apenas mais dez escudos por dia a cada um de nós? Etc., etc.….”
Mas não. Baixei a cabeça, por ser a primeira vez que estava tão de perto com tamanha eminência, não prenunciei uma só palavra, e lá segui, no formigueiro, para a porta de saída. Evitando assim, ao Sr. Neves da Silva, a palavra por si mais repetida naquele dia:
RUA!
(Para o ano, a 22 de Janeiro, se cá estivermos, termino a novela…)
Mas vamos em frente (no tempo), que o que aqui quero partilhar convosco, não é propriamente literatura, e muito menos poesia, mas antes um acontecimento único e que me marcou para a vida.
Para uma actualização integral, se já caiu no vosso esquecimento, recomendo que recueis à um ano atrás e, carregando ali, na “caixinha” (que não é a avó do José), do lado direito, no ano de 2010, mês Janeiro, lá hão-de encontrar um artigo com o mesmo título do de agora, para poderem fazer o enquadramento da história.
Contudo, recordo aqui, o último parágrafo desse artigo, para refrescar a memória, daqueles que ainda a possuem:
“… o facto é que, pelas 10 horas do dia 22 de Janeiro, quatro meses antes do futuro Dia da Liberdade, os proletários da CIM, fizeram ali um silêncio sepulcral, naquele arraial de “malhar ferro”, e, mandaram dizer ao patrão Neves, que a partir daquela hora, estavam em greve, até que ele decidisse proceder à justa actualização salarial.
Eu era um deles e também aderi…”
A Greve, naquele tempo, era para a maioria de nós, uma coisa assim como o longínquo ano 2000, que as profecias anunciavam, ser o ano do fim do mundo. Algo que se ouvia murmurar, mas que, certamente, não existiria. Estar num impulso, metido no seu seio, ficava-se assim como uma criança, que vai ao “comboio fantasma” pela primeira vez, mesmo que acompanhado pelos pais.
Se eu sabia que era proibido fazer greve nessa altura? Claro que sabia; se sabia que existia a policia política PIDE, que tudo controlava ? Claro que sim; se sabia que todos os dias iam parar a Caxias, Aljube, ou Peniche pessoas por apenas contestarem a ordem vigente? Sem dúvida; se sabia que as pessoas que aí eram aprisionadas, eram vilmente torturadas, às vezes até à morte? Claro que não podíamos ignorar: víamos, ouvíamos e líamos…
No entanto, para mim, jovem aventureiro de 16 anos, entrei nessa “estação fantasma”, sem medir prós ou contras, apenas movido por aquilo que me parecia ser o mais elementar sentido de justiça: lutar pela melhoria de condições de vida…
Isso bastava-me, depois logo se veria.
Durante as primeiras duas horas, isto é, até ao meio-dia, ocasião em que íamos almoçar, nada sucedeu. Apenas algumas conversas fúteis sobre a vida, que no meu caso específico, certamente, seria alguma combinação com o camarada do lado, sobre a hora e o local do bailarico do próximo fim-de-semana. Ou, quem sabe, uma discussão “futeboleira” sobre rivalidades de benfiquismo e sportinguismo, já que os tripeiros naquelas paragens, para além de raros, naquela tempo ainda não contavam para o campeonato.
Após almoço ligeiro, transportado em “lancheira”, comido ao ar livre, sentado numa pedra, ingerido directamente da dupla marmita de alumínio, habitada num compartimento pela sopa de legumes, e no outro, por alguns restos de guisado da noite anterior acompanhado de pequenas sopas de carcaça, e, após uma hora, lá regressámos ao silêncio cavernoso do posto de trabalho, que mais acertado seria, chamar-se naquele dia, posto de greve.
Passava pouco das 14 horas, quando à entrada do pavilhão principal da oficina, surgiu repentinamente, o patrão Neves, na sua figura altiva, agasalhado com o seu impecável sobretudo preto, acompanhado do “encarregado-geral”, e do chamado “guarda-livros”.
Observado de longe, a cerca de cinquenta metros em linha recta, via-o movimentar-se bruscamente, dirigindo-se individualmente, a cada um dos meus congéneres operários metalúrgicos, junto ao seu local de greve. Dirigia-lhes algumas palavras, em voz bastante alta e alterada, mas que, pela distância a que estavam de mim, me era impossível enxergar. Após o breve monólogo que travavam, como formigas num carreiro, os contactados, sem excepção, lá se iam dirigindo para a porta da rua.
Quando chegou a minha vez, senti-me a enfrentar um pelotão de fuzilamento, no entanto a dúvida, do monólogo com a entidade patronal, já se havia esfumado, pois já ouvira bem claro, o que se passara com aqueles que mais próximos estavam de mim, e assim, foi sem qualquer surpresa, que ouvi da boca do senhor Engenheiro Neves, a pergunta que repetia pela quinquagésima vez:
- O senhor quer ou não trabalhar?
“Ainda passou pela minha cabeça argumentar que Sim, que queria! Que gostava muito, e precisava daquele trabalho, como do pão para a boca…! Mas, que o senhor engenheiro fosse criterioso, pois bem sabia que o custo da vida estava pelas horas da morte, que a renda da casa tinha aumentado, a electricidade em casa já andava a ser substituída por velas; o comboio já custava seis escudos do Cacém para Lisboa, até pela “bica” já queriam vinte e cinco tostões; ir ao cinema? Só no “piolho”…; saiba, o senhor engenheiro, que a malta mata-se aqui a trabalhar, a dar o litro dez horas por dia; eu, uma criança, pela manhã até já cuspo ferrugem deste maldito óxido de ferro, e à noite, só oiço “grilos” nas orelhas; os maganos daqueles sarracenos não param de aumentar o preço do petróleo e, como o senhor sabe, quando aumenta o crude, aumenta tudo, O senhor bem sabe, que fomos nós, com o nosso trabalho, que fizemos esta empresa, não se esqueça, que ainda há três anos, funcionava num “vão de escada”. E já agora, ò senhor engenheiro, o que era isso para si de, apenas mais dez escudos por dia a cada um de nós? Etc., etc.….”
Mas não. Baixei a cabeça, por ser a primeira vez que estava tão de perto com tamanha eminência, não prenunciei uma só palavra, e lá segui, no formigueiro, para a porta de saída. Evitando assim, ao Sr. Neves da Silva, a palavra por si mais repetida naquele dia:
RUA!
(Para o ano, a 22 de Janeiro, se cá estivermos, termino a novela…)