sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (2º Episódio)

…para minha mãe.

Luísa, levava já cerca de 16 anos de vida em comum com Manuel, diga-se de ajuntada pois assim era o estilo desses tempos, Conhecera-a em casa de sua irmã Maria, no Vale Carvão, por volta de 1938.Ela, que havia nascido e crescido do outro lado do morro, a que chamavam Marvão, no sítio dos Carris.

Desse ajuntamento, havia nascido pouco tempo depois o Francisco, que nesse tempo o fazer filhos quando se quer, ainda não era do conhecimento das gentes de parcos saberes como era o caso deste casal, e que, por via desse filho, deu o ajuntamento em casamento, pois assim os obrigava a lei.
Quis o destino ou deus, se religiosos formos, que só quando Francisco contava cinco anos de idade, nascesse Teresa, a que todos passaram a tratar por Conceição, vá lá a gente entender a história desta coisa dos nomes que nos põem.

Luísa, sempre tivera fama de boa trabalhadora, e à excepção dos períodos de resguardo e quarentena do nascimento dos filhos, dividia os seus afazeres ao longo do ano, pelos diversos trabalhos sazonais que se lhe deparavam. Assim, durante o Inverno eram as matanças dos porcos na Marisantas, na Primavera ganhava o sustento nas mondas, no Verão era a ceifa e as caianças e no Outono, a colheita da azeitona.
Mas, conjuntamente com esta predisposição inata para o trabalho, Luísa herdara também, não se sabe bem de qual dos seus progenitores, o sangue na guelra de mulher de acção, com um feitio pouco dado a submissões femininas, a que as mulheres, naturalmente, estavam obrigadas perante os seus homens, desde que o mundo era mundo.

Desde muito cedo que as relações do casal que vimos apresentando, se não poderiam classificar de pacíficas e exemplares ou o chamado casal perfeito. E se psicólogo consultassem, como nos dias de hoje se usa, certamente, este, não hesitaria em propor um qualquer programa de terapia familiar de muitas consultas e algum dinheiro, com vista a transformar este relacionamento tumultuoso de amor-ódio, com algumas ofensas morais e não só, num exemplar ambiente paradisíaco, onde crescessem em felicidade e amor supremos os dois rebentos já gerados.

No entanto, as coisas tinham-se vindo a equilibrar até ali. E mais nome menos nome, mais zanga menos zanga, os bons momentos certamente haviam superado os maus e feito o balanço, o saldo era, certamente, positivo. E como Manuel costumava filosofar aos amigos, “quando se passa um momento bom na vida, é porque nem toda ela já é má”.
Mas daquela vez, as coisas tinham ido demasiado longe… e por razões que o narrador não conhece, ou estrategicamente, lhe não convém revelar, Luísa não aguentou mais a situação de conflito e, praticamente com a roupa que então tinha vestida, levando pela mão a filha Conceição, decidiu abandonar o lar, e ir morar em casa arrendada, para a outra margem da ribeira, no cimo da encosta, que Manuel haveria de subir três meses depois, sem saber lá bem porquê, por entre as giestas floridas.

Morar em casa, é apenas uma forma de dizer, para se sinalizar o local onde então Luísa e Conceição pernoitavam após as suas lides diárias. Não pense o leitor desprevenido, que se tratava de alguma vivenda ou mansão, mirando a imponente paisagem que o narrador agora escolheu para ilustrar o presente Blogue, que sem sabermos porquê, Sabi baptizou de “Retórica bugalhónica” e que talvez, com melhor sentido de oportunidade e pertinência se devesse denominar de “seca bugalhónica” ou, quem sabe, de “a história do rapazinho teimoso…”; mas, como bem sabemos e tem vindo a ser referido, isto do significado nem sempre corresponde ao significando. É um pouco como as caras, quem as vê, não imagina os corações que ás vezes ocultam no peito, e vice-versa.
Mas, voltando ao local que descrevíamos e que deveríamos denominar de casa de Luísa, pois nessa época, as crianças ainda não tinham imposto a sua ditadura sobre pais e avós, tratava-se, na prática, de duas pequenas divisões no rés-do-chão de casa pobre, anteriormente ocupada por animais domésticos do arrendatário e que, após pequenos arranjos para a função, vem servindo acerca de três meses, de abrigo a esta mulher e sua filha.
Luísa, vai ganhando o sustento em trabalhos árduos por conta de outrem e Conceição frequentando a Escola Primária da Ponte-Velha, onde no regresso, Manuel lhe entregava diariamente um pãozito, para que pudesse saciar algumas das suas necessidades físicas e, se sobrasse, as de sua mãe, já que as psicológicas, sociais e morais, ainda não andavam na moda de ser investigadas, pelas reinserções sociais da época.

Nessa noite de S. Pedro, após a sopinha de feijão-verde da ceia que lhe havia aconchegado o estômago, Conceição, depois de ter lavado a pouca loiça usada, nas parcas refeições que lhe serviam de sustento e que sua mãe obrigava a lavar, como aprendizagem das tarefas caseiras femininas, estendeu-se na “encherga de palha” que lhe servia de dormida, aos pés da cama de ferro de sua mãe. E, ou cansada das brincadeiras escolares com as outras raparigas, ou por acção de um deus qualquer, dos muitos que navegam pelo universo, não tardou em adormecer, naquele sono profundo e descansado que só as crianças podem ter.

Luísa, mulher madura como sabemos, com os seus trinta e sete anos de idade, enquanto a filha lavava a pouca loiça, veio sentar-se na soleira da porta, de onde avistava lá longe, as poucas luzes do cimo do monte que assinalavam a vila de Marvão; apenas tinha ido lá uma vez, quando foi necessário fazer os papeis para concretizar o seu casamento, afim de poder registar o Francisco ou Chico, como lhe chamavam, seu filho primogénito e que agora servia em casa de gente abastada em Santo António das Areias.

Sem dar por nada, talvez pelo cansaço e fadiga de mais um dia de ceifa, encostou a cabeça na soleira da porta e ali ficou, meio adormecida, olhando a lua cheia, sentindo a aragem fresca e o cheiro a rosmaninho queimado n’alguma fogueira de crianças, da pouca vizinhança da casa da Martela.
Passasse por ali naquele momento, o narrador deste ensaio, com a sua máquina fotográfica, ou qualquer dos pintores renascentistas e, se observassem a imagem desta mulher de meia idade na penumbra, de olhos semicerrados, ainda bonita, apesar das primeiras rugas que já lhe marcavam o rosto, olhando a lua cheia… e estaríamos hoje, num museu qualquer, rodeados de intelectuais, a admirar o Quadro da Mulher Sonhadora…

Mas, de repente, Luísa sentiu um sobressalto e retomou o estado de vigília. O cheiro a rosmaninho havia agora sido substituído por um odor familiar, odor esse que há três meses não sentia. Voltou a estremecer, ao identificar que o bálsamo que lhe invadia primeiro, as narinas e depois mais profundamente o cérebro, era de cigarro de tabaco, e onde há tabaco há homem, porque a moda das mulheres fumarem ainda não é destas histórias…

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (1º Episódio)

…a meu pai (1920-2006)

Decorria o ano de 1956, já havíamos passado o solstício de verão e as noites corriam longas e cálidas, celebrando-se nesse dia, segundo o calendário gregoriano, a festa de S. Pedro. Manuel, homem de pouco mais de trinta anos de idade, caminhava ao longo das margens da ribeira, que meia dúzia de quilómetros mais abaixo, chamavam de rio Sever e que o conduziriam ao moinho do Fraguil, onde morava. Cismava sobre os últimos meses da sua vida, falando baixinho como era seu hábito, após mais uns copos com os amigos, na tasca do Xico Videira. Esperava pelas duas horas da manhã, hora que, juntamente com mais meia dúzia de companheiros, pegariam nas suas cargas de café contrabandeado que iriam entregar perto de Malpartida de Cáceres.

Luísa, sua mulher, havia-o deixado, depois de mais uma desavença entre ambos e, juntamente com a filha, haviam-se acolhido em casa arrendada na Matela, do outro lado da ribeira, cerca de mil metros de distância em linha de tiro, de onde Manuel agora se encontrava. Francisco, o filho mais velho, então com quinze anos de idade, já há muito que trabalhava em casa de patrão, para ganhar a vida, que os tempos não iam fáceis.

Várias haviam já sido as suas tentativas de ajuntamento, mas desta vez, Luísa, parecia não estar pelos ajustes. Ele bem tentava, pois todos os dias, à tardinha, esperava Conceição, assim se chamava a filha do casal desavindo, quando esta regressava da escola e lhe entregava um pãozinho, incumbindo-a de dizer à mãe, que voltasse para casa, na esperança, que tal gesto, pudesse seduzir Luísa, mas até esse dia sem qualquer resultado prático. Apesar do pão não ser devolvido, também os sinais de que Luísa estivesse para quebrar, tardavam em aparecer.

Pouco passava das dez horas da noite, hora aquela de lusco-fusco, em que todos os gatos parecem pardos e, Manuel, sentiu como que um calafrio que lhe percorreu a espinha, dorida dos trinta quilos de café que tinha carregado a noite passada e depois de mais uma fuga dos guardas-fiscais, que por pouco, o não apanhavam ali bem perto do secadeiro-da-bruxa. Mas aquele calafrio, não lhe pareceu de dor, nem tão pouco de frio, pois a noite estava quente e, as dores, sabia ele como lhe mordiam.

Demorou ainda alguns segundos a perceber o porquê, mas, no momento seguinte, a coisa ficou clara no seu pensamento, pois, certamente, se devia à lembrança de corpo de mulher, que há três meses não tocava e, que de repente lhe aflorou, algures na sua cabeça.

Sem perceber, como que por automatismo, encontrou-se a saltar as passadeiras que o levariam à outra margem da ribeira e, sem saber muito bem porquê, já subia, por entre as giestas floridas, a encosta que o haveria de levar ás proximidades da casa onde vivia Luísa…

domingo, 23 de dezembro de 2007

EDITORIAL



A “Retórica bugalhónica”, pretende ser um espaço de reflexão pessoal do seu autor.
Uma reflexão sobre as minhas ideias, as minhas experiências de vida, as minhas vivências, as minhas interacções com aqueles que me rodeiam, e que, numa ou outra situação, comigo se cruzaram, nesta pequena caminhada que é a vida.
Sendo assim, não tenho a intenção de escrever apenas para mim próprio, se assim pretendesse, escreveria um “diário íntimo”.
A minha finalidade, é que este espaço sirva, para além de divulgar a minha maneira de ver o mundo, que seja um local de partilha e de troca, sobretudo, com os meus amigos, mas também, com todos aqueles que se revejam nos valores e ideais que mais à frente enunciarei e que por mero acaso entrem neste espaço. Por isso aguardo a vossa participação no espaço de “comentários”.

“Retórica bugalhónica”, Porquê o nome?
Não sei, tal como não sei porque que me chamo João. Sei apenas que foi o nome que me deram, penso que os meus padrinhos. E o Sabi, como padrinho deste espaço, assim lhe chamou. Nunca lhe perguntei porquê, mas ele deve sabe-lo.

Na “Retórica bugalhónica”, não existirão temas “tabu” da política ao desporto, da poesia à musica, da vida em sociedade à sexualidade, da saúde ao consumo de drogas, do amor à felicidade, da televisão à literatura, etc, etc.
A excepção será o “ataque pessoal”.
A iniciativa pode tanto ser minha, como de qualquer um de vós, que queira propor um tema e o traga para a discussão.

A “Retórica bugalhónica”, é um espaço de Liberdade, um dos meus Valores fundamentais, apenas superado pelo da Justiça. Sem Justiça a vida em sociedade não faz sentido e uma sociedade sem Justiça, torna-se uma sociedade ao sabor dos mais fortes e dos mais poderosos.
Os outros Valores que aqui gostaria de ver respeitados são: O respeito pela Pessoa humana, como valor em si mesmo; a dignidade; a tolerância; a igualdade; a fraternidade; a coragem; e alguma democracia.

A “Retórica bugalhónica”, Não pretende ser um espaço de intelectuais perfeccionistas, aqui todos poderão entrar desde que se identifiquem e respeitem as ideias dos outros, mesmo que com elas não concordem. Pretende-se, essencialmente, um espaço de aprendizagem e troca.

A “Retórica bugalhónica”, não terá periodicidade, nem lógica sobre os temas, eles aparecerão conforme a disponibilidade e a inspiração do momento.

A “Retórica bugalhónica”, não será estanque. Poderá evoluir para um espaço colectivo (mais do que um gestor) se tal se vier a verificar útil, assim como a sua denominação, pois a “sua marca” actual, não se encontra “registada”.

A “Retórica bugalhónica”, não pretende roubar, copiar, nem fazer mal a ninguém.. este espaço, embora simples, terá que valer por si. Ou então morrerá, tal como nasceu, sem deixar bens nem dívidas aos seus herdeiros.

João Bugalhão

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Após 6 meses de criação, decidi aventurar-me nesta coisa...
Por isso, aqui vai a experiência, com um agradecimento especial ao meu amigo Sabi e ao palhacinho (a) que me estimularam nestas coisas dos blogues.
Como primeira vez, já chega...veremos o efeito.
Não percam os próximos capítulos...