quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de Abril – Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança, mas em todos os tempos é tempo de mudança...


Este é o discurso que hoje gostaria de ter feito na Assembleia Municipal de Marvão de que sou membro efetivo. Mas a Mesa dessa assembleia não me deu tempo para tal.

Em 25 de Abril de 1974 eu era um jovem de 17 anos de idade; tinha saído de casa de meus pais e deixado o meu concelho de Marvão com 14 anos, para trabalhar por conta de outrem como operário metalúrgico e frequentar o ensino noturno numa escola secundária, porque o dia era de trabalhar 9 horas diárias para ganhar a vida. O mesmo acontecia com a maioria dos jovens da minha geração.

Quando relembro essa 1ª fase da minha existência, vivida no anterior regime, recordo-me de, talvez com 10/11 anos de idade, começar a aperceber-me que vivia num regime proibitivo de liberdades, quer as individuais quer as de associação; era ainda um regime ditatorial, autoritário, censor, opressor e policial para tudo o que fossem atividades políticas fora do partido único. Lembro-me também, de tempos a tempos, recebermos em casa, através do correio, uma carta com uns nomes que eu não conhecia, e o meu pai também não, para ser reenviada ao remetente. Chamavam-lhe “eleições”. Claro que o meu pai jamais o fez, mas os papeis continuavam por lá e me faziam questionar quem seriam os figurões dos nomes!

 Mas o que eu mais detestava nesse regime era o sustento de uma guerra em terras de África, para onde mandava os seus jovens aos 20 anos, na flor da idade, para matarem e morrerem numa causa que eu não compreendia. Foi para lá, que vi partir o meu irmão em 1961, os meus 2 primos mais chegados, Joaquim e José ( entre 1966 e 1970), e o meu melhor amigo de infância em 1973. Eu abominava essa guerra e tinha um pavor indescritível de ver chegar a minha vez.

Foi por isso que, desde tenra idade, me comecei a interessar por tudo aquilo que me poderia servir para contestar e intervir contra aquela ordem social e política insuportável no final do século XX. Uma das primeiras recordações que tenho, teria os meus 10 anos de idade, e vivendo num ambiente rural, foi começar a ouvir as emissões das rádios subversivas, que emitiam do estrangeiro, como a BBC, a Rádio Argel e a Rádio Moscovo. O gozo que aquilo me dava ouvir falar mal do nosso governo e governantes. Foi a partir daí que comecei a formar a minha consciência política. Aos 15 anos comecei a frequentar as associações de estudantes proibidas. Aos 16 anos já havia lido livros como Portugal e o Futuro de António de Spínola e o Portugal Amordaçado de Mario Soares.

Mas foi em 22 Janeiro de 1974, que fiz a minha primeira ação num ato subversivo ao regime ao participar numa greve, três messes antes da data que hoje aqui celebramos. Sendo umas das atividades mais reprimidas pelo regime, ainda hoje me questiono sobre a razão porque a PIDE não me levou para as célebres “correções” de Caxias, Aljube, ou Peniche!

Foi por isso que, quando chegou o 25 de Abril de 1974 e, consequentemente, acabaram com muitas destas atrocidades, sobretudo a Guerra de África, que rejubilei e vim para a rua festejar e, quase acreditei, talvez por ser jovem, nas ideologias dominantes do novo regime que nos prometiam um novo mundo tipo “dos amanhã que cantam”.  Mas a realidade da vida encarregou-se de me mostrar que isso não passava de sonhos de juventude.

Hoje, passados que são 50 anos sobre a data que hoje aqui comemoramos, e perante o que atrás escrevi, não quero entrar na onda dominante e folclórica daqueles que acreditam que o anterior regime só tinha defeitos e o novo só tem qualidades. É minha opinião, que como todos os projetos, nomeadamente os regimes políticos, quando se prolongam demasiado e não se reformam, acabam mal.

Dos célebres 3 D´s que o MFA nos prometeu - Descolonizar, Desenvolver e Democratizar; quanto aos 2 primeiros, muito deixam a desejar. A descolonização esteve longe de ser exemplar; e quanto ao desenvolvimento, sucedeu aquilo que era normal, fosse qual fosse o regime. Aliás, nunca nestes 50 anos de democracia se atingiram valores de crescimento económico como o dos últimos anos do regime anterior. Compare-se, por exemplo, os últimos 10 anos de cada regime:

- Entre 2014 e 2023 a média de crescimento anual foi de 2,0%/ano;

- Entre 1964 e 1973 o valor foi 5,8%/ano.

Valerá ainda apenas relembrar que, nestes últimos 50 anos, tivemos 3 bancas rotas e tivemos de pedir auxílio ao exterior.

Outras das maiores acusações que se faz ao antigo regime é de ter um analfabetismo vergonhoso. Mas essas avaliações nunca têm em conta de onde se parte, vejamos então o que se passou durante os 50 anos de cada regime:

- Em 1933 a taxa de analfabetismo em Portugal rondava os 60%; em 1973 essa taxa era de cerca de 18%; isto é, em 40 anos registou-se uma redução de 42 pp.

- Em 2024 a taxa de analfabetismo ainda é de cerca de 3%, que nos diz que, em 50 anos do atual regime, essa taxa apenas diminuiu 15 pp.

Mas não podemos negar que o “D” de democratizar esteve perto de alcançar o seu desiderato e, só por isso, o 25 de Abril tenha valido a pena. Não me vou aqui perder em grandes loas a esse sucesso, certamente, a maioria de vocês o farão por mim. Quero antes partilhar convosco um conjunto de preocupações que me vêm apoquentando, que nos mostram alguns “podres” desta “pseudo Democracia” em que vivemos, e que, enquanto comunidade nos deveria levar a agir e não apenas a comemorar e festejar.

O exercício democrático, que faz a Democracia, não se pode ficar apenas pelo despejar de um voto que nos “pedem” periodicamente, ou fazer festas de comemoração quando chega esta data. A Democracia tem de ser praticada todos os dias e em todos os atos ou processos comunitários.

Aqui deixo alguns desses sinais e sintomas, esperando não machucar ou agredir alguém, se tal suceder, creiam, é “... a bem da DEMOCRACIA”:

- Será democracia desperdiçar cerca de um milhão de votos dos portugueses e não haver a coragem de criar um círculo nacional para que todos os que votam se vejam representados?

- Será Democracia haver governantes que acham que uns votos são bons, os meus; e outros são os maus, os de outros?

- Será Democracia ter um sistema judicial que leva já mais de 10 anos para julgar um ex-chefe de governo acusado de vários crimes?

- Será Democracia em 2023 encontrar escondido 76 mil euros no gabinete do secretário de estado do 1º ministro e até hoje não sabermos a origem nem para que serviam?

- Será Democracia um primeiro ministro, com problemas com a justiça, vir pressionar os órgãos judiciais que resolvam o seu caso rapidamente porque quer resolver a sua vidinha e, ao longo de 8 anos se esteve nas tintas para os restantes cidadãos nessa condições?

- Será Democracia os eleitos manterem-se nos cargos após condenação pela justiça a perda de mandato?

- Será Democracia certos eleitos, autarcas ou deputados, quando em cargos de presidência de órgãos, acharem que o seu mandato é mais legítimo do que o de qualquer outro eleito?

- Será Democracia quando em eleições enviar listas para tribunal de acordo com a lei da paridade entre homens e mulheres e, depois na prática, quando se formam executivos, fazerem o que lhes apetece e surgirem apenas homens?  

- Será Democracia certos candidatos a autarcas e a deputados, pagarem a eleitores para votarem neles, obrigando os ditos a provarem através de fotografia ao voto tirada em plena assembleia de voto?

- Será Democracia os partidos políticos em eleições internas, organizarem pagamento de cotas a militantes, para que estes votem em quem lhes pagou e, depois, os beneficiários escolherem futuros autarcas e deputados, muitas vezes eles próprios?

- Será Democracia que alguns partidos políticos quando em eleições internas, votarem meia dúzia de militantes e depois apareceram nas distritais 10 ou 20 vezes mais votos de militantes que lá não puseram os pés, para assim tornarem as concelhias mais poderosas?

Isto são apenas alguns pequenos exemplos de como a atual democracia já pouco fica a dever ao anterior regime. Em resumo, a Democracia só será o melhor dos regimes se tivermos democratas e, isso, é papel de nós todos.

Perante isto, não sei se o regime que se iniciou em 25 de Abril de 1974 estará para durar, mas que não está lá de muito boa saúde, não está e, em certas maleitas, não difere muito do anterior. O conjunto de sintomas e sinais que dele emanam são sinais de doença grave e deveria fazer-nos agir e não apenas refletir e festejar de cravo na mão ou na lapela, antes que aqueles que em 1974 foram derrubados, ou outros, não se apresentem como os novos heróis numa qualquer data que festejarão de seguida.

Apesar de tudo isto, gostava de deixar uma mensagem de esperança para o futuro através das palavras de Luís Vaz de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/Muda-se o ser, muda-se a confiança/Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre, novas qualidades.

Continuamente vemos novidades/Diferentes em tudo da esperança/Do mal ficam as mágoas na lembrança/E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto/Que já coberto foi de neve fria/E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia/Outra mudança faz de mor espanto/Que não se muda já como soía.

Mas se todo o mundo é composto de mudança/Troquemos-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança...

terça-feira, 23 de abril de 2024

Sobre as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em Marvão

 A minha intervenção na última Assembleia Municipal de 19/4

- Há mais de 1 ano, mais propriamente em Setembro de 2022, foi anunciado pelo senhor presidente da assembleia, que a assembleia municipal de Marvão iria organizar um programa de atividades comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril de 1974;

- Em 17 de Fevereiro de 2023 o senhor presidente da assembleia informou nesta assembleia a criação de uma Comissão para organizar essas comemorações composta pela mesa da assembleia municipal e os representantes das forças políticas representadas que, no caso, foram Teresa Simão da coligação Marvão à Frente e Catarina Machado do Partido Socialista;

- Na assembleia de Setembro de 2023, Teresa Simão comunicou nesta assembleia, que depois da 1ª reunião nunca mais tinha tido qualquer contacto da Mesa para reunirem e programarem as atividades a realizar. Desde essa data, segunda a Teresa, nunca mais foi contactada;

- Também eu, enquanto membro da assembleia, não tive conhecimento de qualquer Programa de Comemorações, nem me constou que, até ao momento, tenha existido qualquer atividade de realce organizada pela assembleia municipal. As atividades que foram referidas foram as já existentes em todos os anos, tais como o 24 de Janeiro e 5 de Outubro

- Foi-nos comunicado por e-mail em 22 de Fevereiro deste ano, que se iria realizar no dia 25/4/2024, uma AM extraordinária alusiva à data com o slogan muita bonito “garantir dignidade das cerimónias solenes”. Foi-nos ainda comunicado que, caso desejássemos intervir deveríamos comunicar até 15/3, isto é, com mês e meio de antecedência da data da cerimónia;

- Eu comuniquei no prazo a minha vontade de intervir. Mas sei, quando alguns membros desta assembleia, se tentaram inscrever, ainda com 1 mês de antecedência, o senhor presidente da assembleia negou-lhes a possibilidade, argumentando que já o faziam fora do prazo;

- Após ter conhecimento que a assembleia anunciada e denominada pelo senhor presidente da assembleia como “digna e solene” iria ter apenas 1 hora de duração, prevendo eu dificuldades de programação, propus em 31 de Março que essa mesma assembleia extraordinária, se realizasse na tarde de 25 de Abril de forma a garantir alguma dignidade anunciada. Tal proposta foi negada pelo senhor presidente da assembleia;

- A argumentação foi a de que existiam as festas tradicionais de São Marcos em Santo António das Areias, considerando o presidente da assembleia, de “maior importância” que a sessão comemorativa do 25 de Abril;

- Na sequência, tal como hoje aqui foi comunicado, foi-me informado que me seriam concedidos 3 minutos para fazer a minha intervenção nessa assembleia. Como é lógico, recusarei! Não precisaria de 15 minutos, como alguns membros desta assembleia, mas pelo menos 7 ou 8 minutos para falar sobre o 25 de Abril, seria o mínimo dos mínimos. Agora 3 minutos! Em minha opinião, esse tempo, pouco mais dará do que saudar com respeito os presentes e “fazer um viva ao 25 de Abril”! E isso, eu acho que não é solene quanto mais digno. Pode por isso o senhor presidente da assembleia dispor desses 3 minutos para o que melhor lhe aprouver;

- E, é isto caros membros da AM. No dito dia 25 de Abril, o que teremos de novo em relação aos anteriores anos, será só e apenas uma AM extraordinária de 1 hora, em que se nega aos membros desta assembleia que intervenham com a tal dignidade. As restantes atividades que até agora dizem ter organizado, por mais que queiram integrá-las nas Comemorações, é o habitual de todos os anos.

- Para mim, eu que sou o único desta assembleia que já vivi em pleno as antecedências e as consequências de “25 de Abril de 1974”, tenho que vos comunicar que estou triste, que isto não é ABRIL, isto não é democracia, isto não vai ser solene nem tão pouco digno;

Esta é a minha opinião sobre as comemorações de 25 de Abril em Marvão e o Programa de Atividades organizadas pela AM. A conclusão é só uma: Falar e anunciar são uma coisa, fazer é outra bem diferente!

João Bugalhão, membro da AM de Marvão eleito nas listas do PSD.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Sobre eleições legislativas no concelho de Marvão

No passado dia 10 de Março, fomos brindados com mais uma publicação do Partido Socialista, na sua página no Facebook (https://www.facebook.com/photo?fbid=1177979903587541&set=a.630501601668710 ),  congratulando-se por mais uma vitória do PS no concelho de Marvão, como se isso não fosse o normal. Com exceção de 2011,onde levaram uma valente “tareia” do Passos Coelho de 16 pontos percentuais, como se pode ver no Gráfico em baixo.

O que o PS não nos disse, é que, a exemplo de todo o país ( onde caíram13,4 pontos percentuais, de 41,4% para 28%);  no concelho de Marvão essa “queda” ainda maior e como nunca se tinha visto, caíram cerca de 15 pontos percentuais em relação a 2022 (passaram de 50% para 35%).

Em contrapartida a AD (PSD/CDS), não ganhando, subiu 3 pontos percentuais, passando de 29,1% em 2022 para 31,8% em 2024, ficando a meros 3 pontos percentuais do PS.

É de salientar ainda a subida vertiginosa do CHEGA, que passou de 7,4% em 2022, para 17,1% em 2024.


quarta-feira, 13 de março de 2024

Pois é, e durante os últimos 8 anos?

Vem agora Costa, Medina e Santos Silva, pressionar o PSD para "acordos de regime" nalgumas áreas da governação.
Curioso não é!



Esta estratégia só tem um objetivo, embalar a maralha para manutenção no aparelho de Estado dos “boys” socialista que tudo ocuparam nos últimos 8 anos. Nunca a metáfora do José Afonso se aplicou com tanta propriedade:
“eles comeram tudo e não deixaram nada...” e, agora, ai que temos os tachos em risco, vamos lá a ver se amenizamos isto!
Espero, sinceramente, que o novo governo “dessocialize”, de uma vez por todas, o aparelho de estado, que está que é uma vergonha, ocupado por gente, que a única competência que se lhes conhece, é terem “cartão” do PS, ou serem amigos de quem o tem. Espero, também, que resistam à tentação de uma substituição, pura e simples, por “boys” da sua área política.
Se forem capaz de o fazer num horizonte próximo, só por isso, já terá valido a mudança.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Um dia “bonito” com chuva ...

Impreterivelmente, como quase todos os dias, levantei-me pelas 5 horas e 45 minutos para a minha caminhada diária. Assim que pus os pés no chão, e depois de fazer os meus poucos exercícios de mobilização das articulações e esticar dos músculos, como um gato ou qualquer ou outro felino quando se levanta, ouvi que chovia como o caraças. Pensei, ainda bem, desde que não haja vento. Um pequeno impermeável e o guarda chuva, e venha ela, que cá em baixo é que faz falta, como diz o povo, ao que eu acrescento aquela máxima da tropa “chuva civil não molha militares”, e eu, embora já sem farda, ainda não me esqueci desses tempos.

Pouco passava das 6 horas, cai uma mensagem no telemóvel: “Hoje não vou”! Era o meu amigo Artur, companheiro de lide há 4 meses consecutivos quase sem falhas, e que, neste inverno chuvoso, atrevo-me a dizer um dos mais abundantes dos últimos 20 anos,  aparece sempre, pontualmente ás 6h e 30m, sem guarda chuva e em calções, indiferente à quantidade da dita ou ao frio que também tem estado. Mau, pensei que passará? Será que afinal andava a enganar-me e não é tão valente, às intempéries, como eu pensava! Respondi com um “Ok”, e espero que seja isso, que não seja nada pior, porque isso tem remédio.

Pouco depois, já equipado, metia os pés ao caminho, com a tal chuva certinha, bem caída e, tal como eu desejara, sem vento. O plano era o circuito rural do costume, mas não sei bem porquê, indo sozinho, resolvi variar e meter por um circuitos urbano, pelas ruas da cidade branca do alto Alentejo, cercada de oliveiras e sobreiros..., se a intensidade da tal bendita chuva aumentasse, sempre podia abrigar-me debaixo de uma qualquer varanda, e ver a cidade acordar.

Descia a denominada rua do comércio e, reparei que caminhando à minha frente com 50 metros de dianteira, seguia uma “figura” inconfundível que, rapidamente, identifiquei como sendo o meu colega de profissão e amigo Zé Rui. Caminhava com o seu estilo bamboleante inconfundível de mochila às costas, capuz na cabeça do seu “kispo” e guarda chuva fechado, pendurado no braço, apesar de chover com intensidade.

Aumentei um pouco a minha passada e, rapidamente, o alcancei. Cumprimentámo-nos com alguma “distância”, que o Zé Rui não é de grandes efusividades, e eu também não, e lá fomos durante algum espaço e tempo, conversando sobre coisas nossas, até que cada um seguisse no seu azimute.

Desde o tempo de estudantes de enfermagem que conheço o Zé Rui, embora a convivência dos últimos 40 anos não seja muito efetiva, embora procure seguir, à distância, o seu percurso de vida. O Zé é uma daquelas pessoas de quem é impossível não gostar, desde que respeitemos a sua diferença, e eu sempre o tentei. Talvez, por isso, me considere seu amigo, muito para lá daquilo que talvez eu mereça.

 Do nosso encontro de hoje vou reter as suas palavras simples, mas penso que honestas, da nossa despedida e que certamente não irei esquecer tão depressa:

“Bugalhão obrigado por estes 5 minutos, acredita que já ganhei o dia!”

Não lhe respondi, mas o Zé sabe o que eu penso, mesmo num dia de chuva...

 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Eu quero morrer no meu cantinho – Se possível, velhinho, independente e junto daqueles que gostam de mim!

Um dos maiores problemas das “urgências hospitalares” e que urge resolver com urgência

Há dias, quando da visita do ministro da saúde ao concelho de Marvão, o presidente da Câmara, assumindo que tinha algumas dificuldades em perceber/dominar as dinâmicas dos serviços de saúde, pediu-me ajuda sobre algumas ideias/sugestões a apresentar ao ministro, com vista a melhorar os cuidados de saúde aos habitantes do concelho.

Dividi esse apoio em 2 Capítulos :

1 – Um pequeno diagnóstico de situação;

2 – Algumas ideias/sugestões que elenquei para a melhoria da prestação de cuidados, nomeadamente: o que deveriam ser as responsabilidades dos serviços de saúde e que contributos poderia dar município.

Uma das ideias que sugeri, que parece que agradou ao senhor ministro, verbalizando até, que era apenas a segunda vez que lhe falavam disso, diz respeito à forma como se vive a fase terminal da vida, morre e onde se morre em Portugal.

A minha sugestão foi a seguinte:

“Criação de um projeto piloto de prestação de cuidados de saúde com as IPSS do concelho (sobretudo cuidados médicos), para diminuir ou evitar o recurso constante destes utentes aos serviços de urgência hospitalar, em situações clinicas que a maioria poderia ser resolvida no local com um pouco de bom senso, e, consequentemente, minimizar a situação degradante do acumular de pessoas em macas nos corredores hospitalares, a maioria em fase terminal de vida, ou mesmo para aí morrerem, quando se houvesse um profissional médico que assistisse estas situações, em articulação com as famílias, iria permitir alguma humanização na fase terminal da vida e da morte, com benefícios para todas as partes e diminuição de custos para todos.”

Quem já entrou numa urgência hospitalar, mesmo que seja por breves instantes, não pode ficar indiferente à quantidade macas nos corredores hospitalares, ocupadas por estas pessoas com idades superiores a 85 e 90 anos,  a maioria das quais, pouco ou nada se pode fazer em termos de cuidados de saúde hospitalares, que ali permanecem e, morrem, em condições desumanas, degradantes, longe dos seus familiares e do seu leito de abrigo (seja ele em casa ou na instituição residencial),  sujeitas a um encarniçamento de cuidados médicos de exames complementares inúteis que nada resolvem, tubos evasivos em todas as cavidades do corpo, que ocupam os profissionais de saúde da urgência  que deveriam ter o foco do seu trabalho no que, de facto, é urgente e não na prestação de cuidados paliativos para os quais não estão vocacionados, nem devem estar, porque não é essa a sua função no sistema de saúde.

Foi por isso, com agrado, sinal que há mais gente preocupada com este problema, que assisti ontem na RTP, à divulgação de um estudo sobre a esta temática – Onde se morre em Portugal, e a sua divergência com um conjunto de outros 32 países, como podem verificar no Gráfico em baixo:

Gráfico 1 – Onde se morre em Portugal (2012 – 2021)

         Fonte: Projeto EOL in Place

Como se pode verificar no Gráfico, em 10 anos, a divergência de Portugal em face desses países, passou de menos de 3%, (2010/2011), para 9% em 2020/2021). Com tendência para aumentar, se nada for feito e face às últimas estratégias medicocentristas e hospitalocentricas do SNS, e abandono dos cuidados de saúde primários (invadidos por profissionais de formação hospitalar, que nada percebem de cuidados primários de saúde), e cuidados paliativos.

Num breve exercício teórico e tendo em conta que em 2023, em Portugal, se registaram um total de 118 864 óbitos, inferindo que as percentagens se mantêm, quer dizer que apenas 27 576 óbitos se registaram nos domicílios; enquanto 91 288 óbitos ocorreram, certamente, nos hospitais.

Se estivéssemos ao nível das percentagens dos 32 países referidos no estudo, possivelmente, apenas 80 590 óbitos teriam ocorrido nos hospitais; o que daria uma diferença de cerca de 10 600 pessoas que morreriam no seu cantinho, possivelmente junto daqueles que lhes são mais queridos e que melhor os podem ajudar nessas horas difíceis. E quanto se pouparia em cuidados de saúde hospitalares que poderiam e deveriam ser dirigidos para outras áreas?

Este problema urge ser encarado pelo próximo governo. Os portugueses agradecem e deveriam exigir...