(Muito bom e vale a pena ler. Retirado daqui)
O tempo dos moradores suburbanos com fatos de alfaiate de segunda
por Helena Matos
“A imagem não é
minha mas sim de Raquel Varela que referindo-se a Passos Coelho o viu “com
o seu fato de alfaiate de segunda, morador suburbano”. Por sinal acho
que Raquel Varela tem razão. Só que, como é próprio da extrema-esquerda, Raquel
Varela não percebeu a razão da razão que tinha.
De facto Passos
Coelho não só vive nos subúrbios como os seus fatos são semelhantes a milhares
de outros que os habitantes dos subúrbios vestem durante os dias de semana. Ora
aquilo a que se assiste neste momento entre os protagonistas da política em
Portugal é também uma clivagem social e geracional. Uma clivagem transversal ao
espectro político e em que os subúrbios e os fatos de segunda não serão
irrelevantes.
No caso do PSD
isso é evidente: os barões, os homens de fato de bom corte e apelidos
históricos retiraram-se para que Passos Coelho fosse ali queimar umas etapas
até que eles, naturalmente senhores da situação, fossem chamados a cumprir o
papel para que se consideravam predestinados: a salvação nacional. Não foi
assim e por isso o que não perdoam a Passos Coelho não foi o que este fez de
errado mas sim, pelo contrário, que o seu falhanço não tenha sido absoluto. Tão
absoluto que eles, numa certa noite de Julho de 2013, tivessem de ser chamados
a Belém onde Cavaco lhes diria que salvassem Portugal. Não é o aumento da carga
fiscal nem a austeridade que à direita não se perdoa a Passos mas sim o ter
tornado irrelevantemente dispensáveis os bagões, os penedas, os freitas, os
capuchos…
À esquerda as
dores ainda são maiores. Em primeiro lugar porque o PS era e é a verdadeira
aristocracia do regime. Em segundo porque António Costa precisou do velho PS
para chegar à liderança. E mal esse PS se sinta beliscado no seu poder e
influência vai começar a sentir-se traído pelo actual secretário-geral. Afinal
o PS como bom partido de esquerda que é gosta de tratar os seus líderes como
reis desde que estes façam o PS reinar. Por isso o PS correu com Seguro e
serviu Sócrates. Este último deu ao PS uma pose e uma linguagem de poder e o PS
calou. Aquilo que os socialistas em particular e o povo de esquerda em geral
lastimam na queda de Sócrates nada tem de ideológico mas sim de social. O que
lhes dói não são as acusações nem as suspeitas que caem sobre o antigo
primeiro-ministro (que muitos socialistas aliás sempre tiveram) mas sim que
todo este caso faça a esquerda descer do seu pedestal.
Quando, agora
que Sócrates está preso, a esquerda se admira porque ao antigo
primeiro-ministro é aplicada a legislação (aprovada por sinal pelos governos
socialistas para os demais mortais) o que faz é simplesmente manifestar a sua estupefacção
e incredulidade pelo facto de o país não lhes reconhecer a superioridade da esquerda
que acreditavam ter inscrito no ADN da democracia.
O PS não quer
naturalmente ser liderado por um corrupto mas quer que, se numa outra
conferência de imprensa algum jornalista perguntar ao líder, como sucedeu
quando José Sócrates anunciou a sua renúncia, se este não teme vir a ser alvo
de investigações, de novo se ouça uma vaia monumental a quem teve o desplante
de formular tal questão. O PS espera de António Costa que não compre fatos em
Rodeo Drive nem faça férias em hotéis topo de gama mas exige que Costa seja
capaz, tal como o foi Sócrates, de ridicularizar e humilhar quem insistir em
perguntar aos socialistas donde vem o dinheiro. Agora não para um estrambólico
modo de vida mas sim para as obras, para o investimento público e para as
políticas anunciadas.
O que vivemos
neste momento é um desacerto entre o mundo mediático e uma parte das elites dos
partidos. Não interessa se se gosta ou detesta. Interessa apenas que é assim.
Da extrema-esquerda ao CDS as nomenclaturas falam, agem e imaginam-se num
Portugal em que eles, urbanos e cultos, pairam sob um povo de forte pendor
rural. É o país dos muito pobres e dos muitos ricos, dos privilegiados e dos
sem-abrigo. O país no qual eles, os políticos, se vêem a corrigir os
desequilíbrios e as injustiças e a mudar a realidade à força de decretos-lei.
Só que esse
país, por mais fotogénico que fosse, e de facto era e ainda é nas reportagens
paternalistas que o New York Times nos dedica, coexiste com um Portugal
suburbano, cheio de homens que vestem fatos de alfaiates de segunda para ir
trabalhar. Alguns optam por uma ainda mais esteticamente dramática versão
desportiva. As elites partidárias, culturais e mediáticas abominam este mundo
que não fica bem nas fotografias, não aparece muito nas encíclicas e não encontra
explicação em Marx. Das universidades onde se multiplicam os centros de estudos
dirigidos por clones de Raquel Varela às sedes partidárias sejam elas de
esquerda ou de direita, a dicotomia entre os muito pobres e os muito ricos
justifica-lhes muito mais o seu pendor intervencionista.
Mas o país
suburbano existe e é fundamental que os grandes partidos e os seus líderes
democratizem a relação que têm com ele. Caso não o façam o desinteresse dessas
pessoas será um dos terrenos em que crescerão os populismos que tornarão o país
ingovernável. Os casos da França e da Espanha são um bom exemplo daquilo a que
pode conduzir a clivagem entre os partidos democráticos e a realidade. Só que
em Portugal não será sequer necessário que surjam uma Frente Nacional ou um
Podemos para que acabemos num beco sem saída ou mais propriamente a acreditar
que é possível regressar ao passado. PS e PSD têm mais do que quanto baste de
gente que acredita que tal não só é possível como desejável.”
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