quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Mas ainda há humor....



Querido Portugal
por Ricardo Araújo Pereira


"Temos de falar. Como sabes, o meu amor por ti tem resistido a tudo. Tu és pobre, sujo em vários sítios e estúpido muitas vezes. Mas há em ti uma certa ingenuidade que faz com que até os teus defeitos - e são tantos - me seduzam. Na maior parte das vezes não és mau, és só malandro. E tens três qualidades que compensam tudo o resto: a comida, a língua e o clima.

Era precisamente sobre isto que te queria falar. Andas a desleixar-te. 

A comida já foi melhor. Bem sei que a culpa não é só tua. A União Europeia proíbe umas coisas, os nutricionistas desaconselham outras. Mas já não se encontram jaquinzinhos, os restaurantes receiam fazer cabidela e a medicina parece ter arranjado um método infalível para determinar o que é prejudicial à saúde: se sabe bem, faz mal.

A língua também já não é o que era. Não me entendas mal: continua a ser a tua maior virtude. Não sei como é possível uma pessoa exprimir-se numa dessas línguas bárbaras que não distinguem o ser do estar. Embora os franceses e os ingleses, aparentemente, não o saibam, ser bêbado é muito diferente de estar bêbado. Mas, quando eu era pequeno, “setores” era o nome que se dava aos professores. Hoje, setores é a versão actualizada da palavra sectores. Na escola, os “setores” explicam o que os setores são. No meu tempo, o sector primário era a área de actividade que compreendia a agricultura e outras formas de produção de matérias-primas, e um “setor” primário era um professor do ensino básico. Agora, é tudo a mesma coisa, assim como "être" e "to be" significam tanto ser como estar.

Outra coisa: isto do clima não pode continuar. Este verão foi muito fraco. Houve pouco sol e a água estava fria. Não se admite. A gente tolera a corrupção, a injustiça, a inveja, o subdesenvolvimento e tudo o mais que tu conseguires gerar. Mas tem de estar sol. Se é para não haver verão, nem subtilezas linguísticas, nem papas de sarrabulho, mais vale irmos para a Finlândia, onde as coisas funcionam (e a moral sexual das moças nórdicas é muito mais relaxada).

Tens de escolher: ou há regular funcionamento das instituições, ou há céu pouco nublado ou limpo. Vê lá isso, por favor.

Um grande beijo. Ricardo."


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