sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

De regresso ao segundo momento (in) glório!...

No passado sábado dia 5 de Fevereiro regressei ao velhinho estádio municipal da cidade de Portalegre, integrando um grupo de amigos que designamos de “projecto velhas-guardas”, uma espécie de confraria do futebol, para mais uma folia futeboleira, representado nós a terra do santo casamenteiro antónio, e os nossos congéneres da cidade o santo pastor mamede.

Desempenho aí, actualmente, uma função de dirigente do grupo, uma espécie de “manageiro” dos tempos modernos, coadjuvado pelo meu amigo Bonito Dias na função de treinador. Mas nesse dia, como os confrades eram em número reduzido, lá fui aliciado a dar uma mãozinha, ou mais a propósito falando, dar umas biqueiradas no esférico, quando os restantes camaradas estivessem que já mais não podiam, e se por mero acaso, o dito objecto se deparasse ao meu alcance, a uma velocidade compatível com as minhas já reduzidas capacidades para o arte do pontapé na bola.

Quando faltavam cerca de dez minutos para terminar a função, tempo mais que suficiente para me moer, e tendo já entrado anteriormente todos os companheiros suplentes, o “mister” lá me deu ordem de entrada em campo, sem me atribuir qualquer papel específico, que não fosse o de fazer de conta que continuávamos com o máximo de artífices permitido, que para o caso devem ser em número de onze.

Decorria já o último minuto da contenda, com todos os nossos ao assalto da baliza dos de são mamede, procurando neutralizar a desvantagem mínima de um golo, que estes nos haviam marcado ilegalmente, pelo chamado “fora-de-jogo” segundo as leis da bola, mas que o árbitro, caseiro, havia feito grossa a vista; quando o objecto de jogo, se me deparou ao alcance do pé, e a menos de dois metros da linha fatal de golo.

Confesso que já me via aos pulos de contentamento, quem sabe até…, festejando com um “mortal” a igualdade alcançada pelos do santo casamenteiro, mas para isso, eu tinha que fazer transpor aquela mariola redonda, a meta que estava mesmo ali à minha frente à mão de semear. Parecia fácil (parece tão fácil cá de fora), mas quando a chutei, a floresta de pernas dos representantes do santo pastor eram mais que muitas, e o dito esférico foi repelido. Voltei a empurra-lo, mas nada..., nem se mexeu!

E o meu momento de glória futebolística, mais uma vez não se concretizou…, tal como há 30 anos atrás, quando neste mesmo local, iniciei e terminei no mesmo dia, a minha desventurada e curta carreira futebolística, e que agora aqui partilho convosco.


Decorria o ano de 1980, era eu então um jovem de vinte e três anos de idade, e cumpria, por essa altura, o serviço militar como alferes miliciano, num regimento de cavalaria, desta ditosa republica à beira-mar localizada, e tinha como incumbência ministrar instrução aos mancebos que aí se apresentavam.

Por razões que até hoje desconheço, raramente para essa unidade militar, eram incorporados jovens oriundos do meu concelho de Marvão. Mas nesse longínquo ano, por lá apareceu um o jovem de apelido Trindade e meu homónimo de nome, que eu conhecia por ser um razoável praticante destas coisas do pontapé na bola, jogava no clube da minha terra, e a quem passei a proteger por ser meu patrício.

Como nessa época, eu era dos poucos que já possuía automóvel, rapidamente, o João Trindade, se fez meu companheiro de viagem aos fins-de-semana, quer de vinda para as Areias, quer no regresso à cidade protegida pela santa rainha, onde me dava conta das aventuras futebolísticas do arenense.

Daí, a entranhar-me, com a sua retributiva protecção, nas lides, foi um ímpeto. Até porque aos dirigentes do clube, dava um certo jeito esta aliança, não por mim, sempre pouco habilitado nessa arte do futebol, mas porque com maior facilidade e frequência, podiam contar com o “pietra” de Santo António.

Durante dois ou três meses por lá andei exercitando, sobretudo, a vertente técnica do célebre desporto-rei que é o futebol, já que a psicológica “boa vontade não me faltava”, e na física…., a correr, diga-se até em abono da justeza, que não eram todos que me agarravam. Mas quanto a pisar o “pelado” a sério, isso parecia nunca mais ocorrer, e o potencial “pélébio da Abegôa” (uma mistura de Pélé com Eusébio), começava a esmorecer.

A oportunidade surgiu numa bela noite, no já acima mencionado estádio municipal da capital do distrito, num jogo que tínhamos por opositor uma equipa das redondezas da cidade, de seu nome Alagoa. Não ainda como titular mas como suplente, e decorria já a segunda parte da jogatana com o resultado ainda em branco, quando ouvi da boca do “mister” Dinis, as duas palavras mágicas: -“ Bugalhão aquece!”

De repente, pareceu-me que a noite se iluminava mais intensamente, não pelos holofotes artificiais, mas porque, num ápice, o sol brilhava em todo o seu esplendor naquele hectare de terra batida, onde a relva, só anos mais tarde viria a nascer. Na minha mente desfilavam todos os meus ídolos de infância: o Jaime Graça, José Augusto, Torres, Eusébio, Simões, Néné, Jordão, Artur, Humberto e outros …, todos eles estavam dentro de mim, e em conjunto, ia transportá-los para aquele paraíso rectangular ali à minha frente.

Não precisei de esperar muito, e dois minutos depois já eu, e todos os meus ídolos, entravamos em campo, substituindo um camarada, que hoje não recordo quem, mas não errarei muito se alvitrar que seria o Lança, “eterno extremo-direito” da equipa azul, já que, foi para essa zona estratégica do terreno, que me recordo ter ido ocupar.

Não tardou nada que um dos “velhacos” da equipa, a quem terá passado pela cabeça ao ver por ali um elemento estranho, que nada melhor que lhe meter uma bola em profundidade, para testar as capacidades do novo “craque” arenense. E se assim o pensou, assim o fez!

É então que, acabadinho de me estrear, eu vejo passar por mim, em direcção à área contrária com uma velocidade invejável a redondinha, que me haviam endossado. Claro que não me passou pela cabeça, meter-lhe o pé, a fim de executar um dos gestos técnicos fundamentais da modalidade: a recepção, pois sabia que tal manobra, jamais estaria ao alcance das minhas “apuradas” capacidades técnicas, e, que a dita haveria de ressaltar para bem longe de mim, como se tivesse batido numa talocha; antes a deixei passar com uma vénia, como o verdadeiro cavalheiro deve fazer à sua dama. Depois, com a elegância de um dom juan, parti em sua perseguição, até à sedução final, que neste caso, seria fazê-la deslizar com suavidade, nas redes da baliza dos alagoenses. E com a velocidade de um raio, aí vou eu em sua perseguição.

Mas a perversa não ia nada devagar, obrigando-me quase a uma velocidade de TGV. Ainda ela não havia ultrapassado a linha da chamada grande-área quando eu lhe dei o primeiro toque delicado, não fosse ela julgar, que se tratava de algum vagabundo perseguidor sem maneiras, numa qualquer manobra de grotesco assédio futeboleiro. Tal pequeno gesto fez com a minha diva deslizasse mais uns escassos cinco metros, e ambos já nos preparávamos para chegar junto da marca da grande penalidade.

Por essa altura já eu me preparava para executar o gesto técnico mais valorizado na modalidade: o remate. Este, ao contrário da recepção, não requer grandes dotes tecnicistas, o que interessa é que seja certeiro, e, que dê em golo. Pois, como se costuma dizer na gíria do futebol: “para marcar, nem que seja com o cu…!”

Só que, enquanto nos perdíamos nestas teses da retórica futeboleira, os homens da equipa opositora não ficaram, propriamente a dormir, e quando me preparava para o sublime acto de fazer o golo, eis que um deles me abalroou, estatelando-me com grande aparato a mais de cinco metros de distancia do local do embate.

Um misto de revolta e satisfação assaltaram então o jovem “pélébio da Abegôa”. Por um lado sentia-me espoliado do meu grande desiderato, que tão fácil parecia de alcançar, e que, certamente, me levaria ao estrelato futebolístico, nem que fosse apenas na minha terra, que jamais dera um predestinado assim; por outro lado, tinha a certeza que, não sofresse o árbitro daquela doença “saramaguiana” denominada cegueira, e a consequente grande penalidade, bem como a expulsão do infractor, ninguém as poderia negar.

Tão absorvido estava ainda com estas dissertações, que nem dei por uma das minhas pernas se encontrar “meia debulhada”, originada pelo violente embate da queda e do contacto com as areias do terreno. No entanto quando me virei para o homem do apito, e o vi apontar para aquela marca branca no chão, situada a onze metros da linha de golo, não houve dores que se sobrepusessem a tamanha satisfação.

A minha primeira reacção, foi olhar para o “banco” na expectativa, penso que justa, que o “mister” Dinis, ordenasse:
- Marca o “penaltyBuga, já que foste tu que levaste a porrada desse brutamontes!...

Mas não era essa a sua opinião, pois um estreante, não estaria certamente à altura duma tal responsabilidade, e lá encarregou o capitão “ Zé” da sua cobrança. Ficando eu quase tão satisfeito, como se a decisão recaísse sobre mim, embora ferido por fora e, porque não dizer, um pouco por dentro. Mas lá fiquei na expectativa, que o meu capitão repusesse a justiça, sentenciando com golo aquele bárbaro gesto do alagoense.

Vi-o partir para a bola com convicção dos grandes momentos, preparando já a minha reparação interior de ver reposta a surripiada justiça. O grito goooool…., já se solta da minha garganta. Zé remata com toda a força possível mas…, eis que a bola, sobe, sobe, sobe…, nem na rede de cobertura com cinco metros de altura acerta e só pára, nas proximidades da estação da rodoviária …

O jogo lá continuou, bola para cá, bola para lá e, passados três minutos, com grande surpresa minha ouvi a voz do “mister” a chamar pelo meu nome.

Num primeiro momento pensei o mais lógico, que me quereria dar alguma palavra de conforto pelo meu esforço inglório, um toque positivo, como quem diz que tivesse paciência, que o futebol é mesmo assim, que tal como na vida, às vezes não há justiça, etc., etc., mas não, o que ele me ordenava era que me iria substituir por outro camarada! Eu, que apenas tinha entrado no rectângulo mágico há menos de cinco minutos atrás, e logo me haviam ceifado barbaramente, debulhando-me por completo a minha singular perna direita, mais concretamente a coxa, que a perna é mais abaixo, originando até um castigo máximo, que chamam penalty, contra os alagoeiros, ou lá qual seja a sua denominação, apenas em cinco minutos mister, e já vou sair? Olhe que eu não sou de faltar ao respeito a ninguém, sou até um rapaz humilde e educado, mas sair cinco minutos depois de entrar não lembra ao diabo, quanto mais a si, que é para mim uma espécie de deus da bola. Mas nada, a decisão estava tomada, e o treinador é que sabe, pelo menos é para isso que lá está, e eu, que faço aqui?

Desde essa noite, não mais apareci nos treinos do arenense, terminando assim, a minha curta carreira de jogador da bola, se quisessem o "pietra" que o fossem buscar…

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Hoje é dia de São Brás

(3 Fevereiro)

Na minha infância e juventude, este era um dos dias mais esperados e desejados, por ser dia de festa na terra onde vivia, Abegoa de seu nome, no concelho de Marvão.

Logo a seguir ao almoço, na Capela com o nome do santo, situada na encosta norte da vila, havia missa seguida de procissão, como penso que ainda haverá, mantendo-se a tradição. Contudo, habitualmente, as festividades são transferidas para o fim-de-semana de maior proximidade.

Após as cerimónias religiosas, havia a tradicional arrematação de “ramos”: pequenos cestos de verga de vime, onde a vizinhança do padroeiro depositava as suas oferendas ao São Brás, compostas usualmente, por uma garrafa de vinho, um pão e dois ou três chouriços, que a súcia lá ia arrematando pela oferta mais alta ao apregoar do leiloeiro: “…quem mais dá?..., dou-lhe uma, dou-lhe duas e…, doou-lhe três.”

Eu, e a outra catrefada de gaiatos das redondezas, já havíamos ajuntado, previamente, as moeditas que tínhamos surripiado, à socapa, aos nossos pais e, às vezes, lá conseguíamos no fim, levar uma das mais baratinhas fogaças, ou daquelas que já ninguém queria, e lá partíamos mais contentes que ratos, para uma animada função.

Quando chegava a noite, a Sociedade da Abegoa enchia até pelas costuras do exíguo salão recreativo, para o tradicional Baile do São Brás, abrilhantado por um afamado acordeonista das redondezas, e onde acorriam todas as moças casadouras locais, já que os moços, com maior liberdade, vinham de todo o concelho.

Eu, catraio acanhado, ficava quase sempre oculto na sala de entrada das mulheres, já que, naquela época, a moda do “uni sexo” ou igualdade de género, ainda estava para chegar, e de lá ia observando e aprendendo as estratégias da arte marialva no “descante do sacrossanto brás”, para quando chegasse a minha vez na roda da vida, poder cumprir a tarefa com um desempenho digno de um qualquer dom juan.

Mas o que ainda hoje recordo com alguma intriga, e que eu mais gostava de assistir, era a ocorrência que se passava por volta da meia-noite, quando o artífice tocador da concertina anunciava:
- Agora é a “peça à inglesa”.

Essa tal “peça inglesa”, não era mais que a inversão da tal estratégia marialva, dos moços irem buscar as moças para dançar. O que exigia “à inglesa”, era que teriam de ser o inverso, e serem as cativas moçoilas a escolherem quem seria o seu eleito daquela dança.

O que eu não conseguia entender, naquele cenário idílico, em que “a presa procurava o caçador”…, era o porquê de muitos daqueles infantes, que ocupavam quase sempre a popa, na altura de eleger, de repente, como cachorros com o cauda entre as pernas, corriam a refugiar-se o mais atrás possível, nos fundos da sala, ou às vezes, invadindo o meu refúgio feminil, com medo de serem os preferidos daquelas rústicas casadoiras.

Só mais tarde percebi o desassossego daquela rapaziada! …
É que após a dita “à inglesa”, os garbosos cavalheiros tinham que conduzir as atrevidas donzelas ao “Bufett”, onde tinham que as presentear com um “drink” e, pelo menos dez tostões de “ervilhanas”…

E o bago, nessa época, tal como hoje, andava escasso…

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

o josé, e, a pilar...

01/02/2011


Ontem fui ao cinema, coisa que não fazia há mais de dez anos. Fui ver o “José e Pilar”, que é assim como um documentário de desagravamento, pós morte, de alguém que é uma figura maligna, da erudita sociedade portuguesa.

Sinceramente, para quem conhece a obra de Saramago, aquilo parece-me uma “coisa muito light”, que só foi possível realizar, porque apanharam o homem com os pés para a cova, e, que apesar de não ter temor ao julgamento divino, coitado, gostaria de ficar o melhor possível com os da sua espécie.

No final, foi proposto um debate com o realizador, que estava presente (muito cansado por ter feito trezentos quilómetros para vir a Portalegre, mas também, segundo nos confidenciou, por ter passado quatro anos a aturar aquele casal), sobre o filme, e o “nosso” Nobel.

As questões e comentários, quase todas feitas por mulheres da assistência, recaíram, maioritariamente, sobre a personalidade de Pilar del Rio, secundarizando, vá lá saber-se porquê, o José.

É um facto, que este José da canada, só começou salientar-se, após ter conhecido a andaluza de castril. Até aí, a sua obra, era conhecida apenas por meia dúzia de marxistas, não obstante, já terem nascido alguns dos seus produtos mais importantes, como: levantado do chão, o ano da morte de ricardo reis, o memorial do convento e, a jangada já havia passado pelos açores.

Claro que bem conheço aquela máxima, “de que por trás de um grande homem estar sempre uma grande mulher…”, mas porra, daí a converter-se simplesmente no marido da Pilar, é excessivo.

Não fosse eu, conhecedor dessa sua produção livreira pré-pilar, e teria questionado também o senhor Miguel Gonçalves Mendes, sobre uma dúvida que há muito se me acomete:

- Tendo ele privado durante quatro anos com este casal de pombinhos, será que ela (pilar), não metia uma manita na fértil imaginação saramaguiana?

Mas fiquei calado, quem sabe, para não fazer má figura, ou não fosse o seu “engenho” andar por ali e amaldiçoar-me enquanto seu discípulo aprendiz.